A corrupção, acepção de múltiplos significados, pode ser entendida em seu conceito mais simples como a apropriação de recursos públicos indevidamente ou aceitação indevida de recursos privados por agentes públicos.
Não se trata de um fenômeno endêmico, ou seja, exclusivo do Brasil, muito embora aqui ela tenha encontrado ambiente propício para crescer, firmar raízes e se alastrar de forma sistêmica.
A ausência de reprimenda institucional, caracterizada pela falta de leis e uma jurisprudência complacente, é um dos principais fatores para o desenvolvimento da corrupção.
Com estímulos institucionais negativos desde tempos imemoriais, marcados pela omissão e ineficiência do Estado, a pequena corrupção, típica dos burocratas e caracterizada pelo favorecimento pessoal, tornou-se comum, fermentando ambiente para que a grande corrupção, afeita aos contratos públicos de grande monta, se tornasse a regra política ou o modus operandi para realização dos negócios estatais, minando a confiança dos investidores, erodindo a legalidade democrática e ampliando indevidamente os custos estatais em detrimento da parcela menos aquinhoada da população.
Kofi Anaan, ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas, certa vez bem descreveu o fenômeno da corrupção, nas seguintes palavras: “A corrupção é uma praga insidiosa que tem uma ampla gama de efeitos corrosivos sobre as sociedades. Ela enfraquece a democracia e o Estado de direito, leva a violações dos direitos humanos, distorce os mercados, corrói a qualidade de vida e permite que o crime organizado, o terrorismo e outras ameaças à segurança humana floresçam. Este fenômeno mau é encontrado em todos os países grandes e pequenos, ricos e pobres, mas é no mundo em desenvolvimento que os seus efeitos são mais destrutivos. A corrupção atinge os pobres desproporcionalmente por desviar fundos destinados ao desenvolvimento, minando a capacidade de um Governo de prestação de serviços básicos, alimentando a desigualdade e injustiça e desencorajando a ajuda externa e o investimento. A corrupção é um elemento-chave no mau desempenho econômico e um grande obstáculo para o alívio da pobreza e desenvolvimento”.
Uma das faces da luta corrupção, talvez a face mais importante para o Brasil nesse momento, é o início das audiências públicas na Câmara dos Deputados, as quais terão o objetivo de debater as 10 medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal.
Dentre as 10 medidas, uma delas é o chamado Teste de Integridade dos Agentes Públicos. O teste de integridade ou “integrity test” é o nome dado a uma série de formas de a Administração Pública procurar combater, de forma proativa e com variados graus de intrusão, a corrupção. Tais medidas são adotadas em diversos ordenamentos jurídicos, como em alguns estados norte-americanos e no Reino Unido, com propostas para ser institucionalizadas em vários outros. Pode ser desde um simples teste de polígrafo, visitas surpresas às casas dos funcionários, acompanhamento de suas finanças, chegando ao modelo de se colocar inadvertidamente o agente público em uma situação aparentemente real, visando testar sua integridade e resistência aos apelos da corrupção.
A medida proposta no Brasil consistirá “na simulação de situações sem o conhecimento do agente público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer ilícitos contra a Administração Pública” (art. 3º). O resultado do teste de integridade, que será facultativo para Administração e obrigatório para os órgãos policiais, poderá ser usado para fins disciplinares, embasar ações de improbidade e procedimentos criminais (art. 2º).
A proposta é excelente e merece, inclusive, ser aperfeiçoada, adequando-a para uma política efetiva de tolerância zero contra a corrupção, reafirmando-se os valores e princípios estruturantes do serviço público, como a probidade e a moralidade no trato da coisa pública.
Embora a proposta não explicite se a Administração deverá iniciar e promover o teste proposto apenas mediante alguma suspeita fundada contra o agente público ou de forma aleatória para todo e qualquer agente público, mostra-se recomendável que a abrangência do teste seja ampla e periódica, extensível a todos aqueles que agem em nome do Poder Público.
À proposta pode ainda ser acrescentada disposição específica para exoneração do agente público que mostrar aptidão para se corromper ou, de outro modo, a inaptidão para o exercício da função pública, pois notoriamente conhecida é a ineficiência das atuais disposições legais para se expulsar do serviço público os maus agentes.
E, ao contrário do que sugere a proposta, que prevê a manutenção dos dados colhidos nos testes por 5 anos, todas as informações deveriam servir para se projetar uma nova base de dados informatizada, alimentando e se aperfeiçoando um sistema de recursos humanos estatal que possa ser utilizado para desenvolvimento de novos métodos de análise e prevenção da corrupção.
Como disse Montesquieu, “a partir do momento em que uma república está corrompida, não existe outra possibilidade de remediar qualquer dos seus males crescentes a não ser através da remoção da corrupção e da restauração dos seus princípios perdidos; qualquer outra correção ou é inútil ou é um novo mal.”
A aprovação de medidas como o teste de integridade, assim como de todas as demais medidas propostas pelo Ministério Público Federal, é de fundamental importância para o Brasil, um país verticalmente carcomido pela corrupção e, horizontalmente, sofrendo uma profunda crise de valores morais.
*Anderson Furlan é juiz federal, e foi presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe) em duas gestões.
** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.