Desde que começaram a se acentuar as manifestações contrárias ao atual governo, notadamente com o acirramento de posições de pessoas ditas de direita e de esquerda (bem como daqueles que não se sabe exatamente o que – ou quem – são), eu me lembrei do livro Limonov, de autoria de Emmanuel Carrère. Ele ficou martelando na minha cabeça, cada vez que eu lia notícias que traziam traços em comum entre posições supostamente contrárias ao extremo.
Este livro, que ganhou alguns do principais prêmios literários da França, conta a inacreditável história de Eduard Limonov, um russo nosso contemporâneo. Hoje, ativista político de posições extremadas na Rússia; ontem, poeta e escritor cult na França; anteontem, mendigo ou mordomo nos Estados Unidos da América. Nesse meio tempo, foi soldado nas guerras dos Bálcãs (dentre outros passatempos...). A realidade por ele vivida é por demais ficcional.
Mas, se viver é perigosíssimo para Limonov, é também bastante ambíguo: e foi isto que me despertou a atenção quanto ao que se transformaram algumas das passeatas, além de sites e blogs brasileiros. Afinal, Limonov é um retrato – grosseiro, quase caricatural – do que se passa ao redor de todos nós, a expor as fraturas identitárias dos extremos. Basta que pensemos na coalização da qual ele fez parte: “A Outra Rússia”, a unir liberais, nacional-socialistas e comunistas na luta contra o Presidente Vladimir Putin. Ou, para seremos mais realistas, no já oficialmente banido “Partido Nacional Bolchevique” , cuja bandeira integra a simbologia do nazismo e do comunismo. Ao mesmo tempo que é anticapitalista de inspiração stalinista e maoísta, pretende criar uma grande nação “livre do sionismo e da dominação ianque”. O pior é que essa tendência não está sozinha no cenário Europeu: no oriente, vive-se a tentativa de instalar a “Neo-Eurasia”; no ocidente, a criação do Estado Europeu Nacionalista – e tantas outras variações em torno do mesmo tema. São os extremos que dão a volta ao círculo e se integram no que existe de pior.
O assunto voltou à minha mente ao ler o artigo de Mario Vargas Llosa, sobre os extremismos que se unem. O texto narra a desventura do maestro Daniel Barenboim: por ter nacionalidade israelense, ele foi proibido pelo governo iraniano de viajar a Teerã, a fim de reger uma orquestra alemã; porém e ao mesmo tempo, a Ministra da Cultura de Israel pediu ao governo alemão que o impedisse de ir ao Irã, devido às suas posições favoráveis à causa palestina. “Duas atitudes de extremismo que se manifestam ao mesmo tempo e confirmam a tese da identidade dos contrários”, sentenciou Vargas Llosa.
Eis o sinal de alerta. Claro que a tese da identidade entre os contrários congrega estudos mais aprofundados. De igual modo e a toda evidência, as situações acima descritas são mais radicais e expressam a identificação violenta de extremos mais distantes. Ainda não vivenciamos, com a mesma intensidade, tais ondas de retrocesso e confusão. Porém, na justa medida em que a assim-chamada esquerda brasileira acirra posições de intransigência contra o governo federal num momento de séria crise institucional, ela se aproxima em muito da nem-sempre-assim-chamada direita brasileira. E a recíproca é verdadeira: ambas se identificam e defendem as mesmas posturas, deixando de ser contrárias uma à outra. A identidade entre os contrários expõe a falta de racionalidade das posições.
Talvez fosse mais sensato se pensássemos na necessidade de reconstrução nacional, numa trégua e união em torno de um projeto cívico. Quem sabe se tornasse mais fácil sair dessa espiral de desencontros e decepções. Depois disso, que voltem os confrontos, antíteses e dessemelhanças entre os contrários. Mas, nesse meio tempo, deixemos o presente de lado e pensemos no futuro e nos nossos valores: aqui, a identificação entre os contrários pode valer a pena.
*Egon Bockmann Moreira: Advogado. Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011) e do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - CEDIPRE, da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Conferencista nas Universidades de Nankai e de JiLin, ambas na China (2012). Palestrante nos cursos de MBA, LLM e Educação Continuada na FGV/RJ. Escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, para o Justiça & Direito.
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