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A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB publicou, no dia 4 de novembro do corrente, o novo Código de Ética e Disciplina. O fato é de suma importância, eis que a função primordial da OAB é o regramento ético do exercício da profissão do advogado, bem como a fiscalização e a defesa da classe. Cabe à OAB fixar o conjunto de princípios e regras que disciplinem a conduta do advogado no seu relacionamento com os clientes, as autoridades e os demais colegas. Em outras palavras, a deontologia da profissão.

À medida que, ano após ano, aumenta significativamente o número de advogados, bem como as oportunidades de trabalho, torna-se cada vez mais importante o reforço às premissas da ética no exercício da profissão. Hoje, as tentações – de propaganda, de fixação de preços, de concorrência, de captação, de litigiosidade, etc. – são muito maiores do que há cinco ou dez anos. As tecnologias de comunicação, bem como o incremento do acesso à justiça, exigiram da OAB a definição de parâmetros deontológicos adaptados, ainda que provisoriamente, aos novos tempos (afinal, o futuro não vai parar de chegar). Como órgão de autorregulamentação da classe dos advogados, é o que se espera da OAB.

O novo Código de Ética tem 80 artigos, divididos em três títulos e respectivos capítulos: “Da ética do advogado” (princípios fundamentais; advocacia pública; relações com o cliente; relações com os colegas, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros; advocacia pro bono; exercício de cargos e funções na OAB e na representação da classe; sigilo profissional, publicidade profissional e honorários profissionais); “Do processo disciplinar” (procedimentos e órgãos disciplinares) e “Das disposições gerais e transitórias”. Apesar de possuir muitos dispositivos que reiteram o Código de Ética anterior, é de se fazer destaque a alguns deles, em consonância com a atual racionalidade. A matriz do Código está no alerta previsto em seu art. 5º, eis que o “exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”. Os sete tópicos abaixo descritos apenas minudenciam esse valor supremo.

Em primeiro lugar e quiçá devido à constatação de que o aumento desproporcional da litigiosidade apenas causa transtornos às partes e a todos os operadores jurídicos (advogados, Poder Judiciário, Ministério Público, servidores etc.), o Código é firme em prestigiar a mediação e a conciliação como deveres primários do advogado. Assim, constitui princípio fundamental da atividade advocatícia e dever do advogado “estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (art. 2º, par. ún., inc. VI). Antes do que propor demandas, é obrigação ética do advogado desenvolver os melhores esforços justamente para evitar os litígios. Está em curso uma alteração de paradigma: os processos judiciais devem ser instalados somente depois de esgotados todos os meios de composição amigável, sempre como última alternativa para a atuação profissional do advogado.

Por outro lado, o art. 2º, parágrafo único, inc. VIII, alínea “c”, determina que os advogados se abstenham de “emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana”. A expressão “emprestar concurso” significa colaborar, cooperar, participar numa ação em comum com outras pessoas. O que é sobremaneira importante em vista dos escândalos de corrupção e desvios pelos quais hoje passa o Brasil. Não podemos perder de vista que muitos desses fatos são instrumentalizados em documentos técnico-jurídicos, alguns de alta complexidade (editais de licitação, convites, propostas, contratos, termos aditivos, estatutos societários, pareceres, memorandos, contratos com instituições financeiras, etc.). Isso sem se falar nos desvios cometidos em “planejamentos tributários” carregados de ilicitude. De ordinário, todos esses documentos não são elaborados por outros profissionais que não os habilitados pela OAB. Isto é, há advogados – conscientes ou não disso; dolosa, culposamente ou em pura ignorância – que podem ter “emprestado concurso” a tais negócios e, se assim o fizeram, atentaram contra o Código de Ética (além de eventuais violações a normas civis, administrativas e criminais). Nesses casos, a escolha do profissional é uma só: ele tem o dever estatutário de dizer não a tais propostas de trabalho. O privilégio oriundo de ser o advogado o único profissional habilitado a produzir documentos jurídicos traz consigo este dever ético.

De igual modo – e por mais incrível que possa parecer -, o Código de Ética preocupou-se com a boa educação no exercício da atividade profissional. É constrangedor ter que falar sobre isso, mas é fato público e notório que há advogados que se excedem na linguagem e na postura diante dos demais colegas, das autoridades e dos clientes. Não são poucas as notícias que se têm de petições que não se limitam ao objeto da demanda, mas se dedicam a insultar o ex-adverso e seus procuradores (quando não os servidores públicos que atuam nos autos). Lamentável, mas verdadeiro. Isso sem se falar nas peças simplesmente mal-escritas. Por isso que o artigo 28 estatui que são “imperativos de uma correta atuação profissional o emprego de linguagem escorreita e polida, bem como a observância da boa técnica jurídica.” Aventuras e devaneios verbais, uso inadequado do idioma e linguagem imprópria são graves violações ao Código.

A advocacia pro bono – aquela exercida gratuitamente – foi disciplinada no art. 30, que a parametrizou como destinada a “instituições sociais sem fins econômicos e aos seus assistidos, sempre que os beneficiários não dispuserem de recursos para a contratação de profissional”, bem como a “pessoas naturais que, igualmente, não dispuserem de recursos para, sem prejuízo do próprio sustento, contratar advogado”.
Mas atenção: sobre estabelecer que a advocacia gratuita é excepcional, o Código proíbe que ela seja exercida “para fins político-partidários ou eleitorais, nem beneficiar instituições que visem a tais objetivos, ou como instrumento de publicidade para captação de clientela.” O exercício pro bono honra a profissão, mas deve ser um fim em si mesmo, destinado àqueles que dele precisam – e não pode ser utilizado em desvio de poder, subvertendo-se a gratuidade em benefícios indevidos. Aliás, a regra está conforme ao art. 7º do Código, que proíbe “o oferecimento de serviços profissionais que implique, direta ou indiretamente, angariar ou captar clientela”.

O art. 36 versa a propósito de tema de especial relevo, qual seja o sigilo profissional – qualificando-o como dever “de ordem pública”. Isto é, não necessita de pedido do cliente nem está disponível ao advogado. O sigilo deriva imediatamente do Código de Ética. Por isso, são supérfluas eventuais cláusulas contratuais que imponham tal dever: este nasce com o termo de compromisso firmado pelo bacharel em Direito, quando do ingresso nos quadros da OAB. O que pode ser previsto contratualmente é a consequência monetária, inter partes, do descumprimento a este dever fundamental do advogado.

Quanto à publicidade profissional e seus estreitos limites, o Código foi minucioso em seu art. 44, que não só limitou o que pode ser divulgado (“apenas os títulos acadêmicos do advogado e as distinções honoríficas relacionadas à vida profissional, bem como as instituições jurídicas de que faça parte, e as especialidades a que se dedicar, o endereço, e-mail, site, página eletrônica, QR code, logotipo e a fotografia do escritório, o horário de atendimento e os idiomas em que o cliente poderá ser atendido”, § 1º), mas também foi além e estabeleceu proibições (“É vedada a inclusão de fotografias pessoais ou de terceiros nos cartões de visitas do advogado, bem como menção a qualquer emprego, cargo ou função ocupado, atual ou pretérito, em qualquer órgão ou instituição, salvo o de professor universitário.”, § 2º). Estas proibições não deixam de ser curiosas, pois devem ter surgido da criatividade alheia: felizmente, nem posso imaginar o que seria um cartão de visitas com “fotografias pessoais ou de terceiros”.

Por fim, também merece destaque o regramento às cobranças dos honorários advocatícios: sejam eles do advogado, sejam da sociedade, está proibido “o saque de duplicatas ou qualquer outro título de crédito de natureza mercantil, podendo, apenas, ser emitida fatura, quando o cliente assim pretender, com fundamento no contrato de prestação de serviços, a qual, porém, não poderá ser levada a protesto” (art. 52). Apenas poderá ser protestado o título dado em pagamento, emitido pelo cliente em favor do advogado (art. 52, par. ún.). Em contrapartida, está autorizada a utilização do sistema de cartão de crédito para o recebimento dos honorários (art. 53).

Enfim, este tratamento panorâmico de alguns dos tópicos de maior importância do novo Código de Ética da OAB pretende apenas por em foco a importância da moralidade e honestidade no exercício da profissão de advogado. Como acima mencionado, nós, advogados, somos detentores de um privilégio normativo, de uma reserva de mercado: ninguém mais pode advogar, que não aqueles inscritos na OAB. Esse privilégio funcionaliza o exercício da atividade advocatícia, que não pode se submeter à racionalidade própria de mercados empresariais. Daí a necessidade de prestar atenção, estudar e cumprir o Código de Ética.

*Egon Bockmann Moreira: Advogado. Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011) e do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - CEDIPRE, da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Conferencista nas Universidades de Nankai e de JiLin, ambas na China (2012). Palestrante nos cursos de MBA, LLM e Educação Continuada na FGV/RJ. Escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, para o Justiça & Direito.

** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.

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