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O combate à corrupção é uma coisa importante demais para ser deixada por conta dos políticos. Igualmente, é importante demais para ser deixada só nas mãos do Ministério Público, do Poder Judiciário, dos Tribunais de Contas e das associações/organizações de combate à corrupção. Esse combate precisa fazer parte do nosso dia a dia, necessita ser incorporado à nossa racionalidade cotidiana, à convivência familiar, social e profissional, como fato ordinário da vida – tão natural quanto a água que bebemos e o ar que respiramos.

Não há motivo algum que nos autorize a deixar o combate à corrupção para o outro; para este terceiro ausente sempre disposto a arcar com as consequências da nossa desídia. Também neste caso, o outro somos nós mesmos. Afinal, é da ausência da efetiva oposição cotidiana que brotam os jeitinhos, os desvios, os malfeitos, a corrupção e as correspondentes tragédias. Ao tornar ausente o terceiro e transferir para ele a responsabilidade, parte-se do pressuposto de que somos inábeis para o combate – quando o que se fato se dá é justamente o contrário.

Dizer que não se pode combater a corrupção na vida comum de todas as pessoas equivale a subtrair-se ao debate – como o professor de direito que, diante dos desafios da nova legislação, diz simplesmente que ela é inconstitucional e que não merece ser estudada (tirando-a da mesa do direito e jogando-a aos leões da política); ou o médico que se enche das queixas do paciente e o manda para o psicólogo (ou vice-versa); ou mesmo o pai que não consegue entender o filho e, por isso, grita com ele, o machuca, e assim vê-se livre do esforço do diálogo. Em todas essas situações, o mais importante é não abdicar, esforçar-se e cumprir o compromisso com a ética: estudar e interpretar a lei; examinar mais uma vez o paciente e, o mais importante de todos, bem educar o filho. É sempre mais difícil, mas não se pode abrir mão do diálogo em situações complexas.

É ilusório imaginar que um pequeno ato, com valor irrisório, não cause efeitos macros

Porém, fato é que a corrupção tem severos agravantes. A transferência da responsabilidade pode dar a impressão de que consentimos em tolerá-la, desde que não nos prejudique. Como se fosse verdadeiro o “não faz mal a ninguém”. O grave erro dessa concepção está em que a corrupção não se exaure em si mesma, mas traz malefícios transversais e intergeracionais. Transversais porque afetam uma cadeia irrestrita de pessoas e de situações: ao se subornar determinado servidor para que não cobre determinado tributo, afeta-se a receita pública. Agride-se aqueles que trabalham e recebem vencimentos públicos. Impede-se que as crianças recebam educação e que os idosos e mais vulneráveis sejam atendidos por médicos. É ilusório imaginar que um pequeno ato, com valor irrisório, não cause efeitos macros.

A corrupção assemelha-se ao Efeito Borboleta, na expressão cunhada por Edward Norton: uma pequena diferença, por menor que seja, causa efeitos devastadores em uma área imensa e previamente não-mensurada. Assim como o bater das asas de uma borboleta no Brasil pode originar um tornado no Texas, o pequeno ato de corrupção no Sul do Brasil pode originar a inanição de crianças no Nordeste.

Por outro lado, a corrupção causa efeitos intergeracionais. São as futuras gerações que arcam com os custos da corrupção presente. Tal como no Direito Ambiental, a lógica aqui é a da precaução e da prevenção. A responsabilidade é intergeracional. Em outras palavras, a corrupção torna insustentável o desenvolvimento, fazendo com que ele se esgote e faleça na atual geração, tornando o futuro vítima de escolhas corrompidas do presente.

[A corrupção] é repugnante demais para que não falemos a seu respeito. Precisamos nos conscientizar de que ela existe e de que causa males irreparáveis.

Por isso que precisamos conversar a respeito da corrupção. Ela é repugnante demais para que não falemos a seu respeito. Precisamos nos conscientizar de que ela existe e de que causa males irreparáveis. Deixar isso só para os políticos, promotores e juízes importa dizer que não nos preocupamos com ela. A omissão faz com que essa guerra só gere mortos.

Mas atenção: cada um na sua medida, de acordo com suas habilidades e perspectiva de vida. Há aqueles que gostam de passeatas, outros preferem conversar em casa com a família; há os que adoram uma lista, com cartas e manifestações, outros, são solitários; há muitos que acreditam em partidos políticos, mas também existem os que simpatizam com este ou aquele movimento social, renegando os partidos. O combate à corrupção passa pelo conhecimento, pela tolerância e pelo prestígio às diferentes formas de se combater o mesmo mal – sempre com a maior inclusão social possível.

Na verdade, pouco importam os graus e a intensidade das posturas. Talvez o mais significativo esteja mesmo em pensar pequeno, nas coisas banais da vida, a fim de evitar que a corrupção floresça. Ela não será extinta, mas precisa ser inibida ao máximo. Mas o que realmente interessa é que não percamos o foco e efetivamente conversemos, cada vez mais, a respeito do combate à corrupção.

PS1: A frase de abertura deste artigo foi emprestada de Georges Clemenceau, que a disse ao final da Primeira Guerra Mundial (“a guerra é uma coisa importante demais para ser deixada por conta dos generais”). Afinal, esta Guerra entre Nações havia culminado em batalhas com expressivo número de mortos, mas nem sempre com significativos resultados. A frase foi depois parafraseada pelo economista liberal Milton Friedman , ao afirmar que “dinheiro é uma coisa importante demais para ser deixada por conta de bancos centrais”. Guerras e dinheiro: tudo a ver com a corrupção.

PS2: Eu conheci o Friedmann Wendpad nos bancos escolares da Faculdade de Direito da UFPR (mais propriamente, na cantina), ao início dos anos 1980. Desde então, de tempos em tempos avisto-me com ele, juiz federal e acadêmico que é. Acho que nós dois somos meio quietos, mas nunca conversamos tanto como nos últimos oito anos. Todas as semanas, logo de manhã cedo, sentava-me com ele e me punha a refletir, a aprender e a pensar na vida. Lamentavelmente para todos nós, no texto que apelidou de Anunciação, ele nos contou a retirada de sua coluna semanal das páginas da Gazeta do Povo. Espero que seja provisória, mas não posso deixar de agradecer pelos quilômetros de boa leitura com que nos presenteou. Muito obrigado, Friedmann, e até breve.

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*Egon Bockmann Moreira: Advogado. Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011) e do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - CEDIPRE, da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Conferencista nas Universidades de Nankai e de JiLin, ambas na China (2012). Palestrante nos cursos de MBA, LLM e Educação Continuada na FGV/RJ. Escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, para o Justiça & Direito.

** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.

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