Não faz muito tempo ter um telefone em casa era um luxo, ter um telefone individual era para poucos privilegiados e centenas de comunidades ficavam isoladas dos parentes e amigos por conta da ausência de um simples telefone comunitário, ou do famoso orelhão. O mundo mudou e isso ninguém duvida.
Os nossos filhos, já criados na geração dos tablets, iphones, ipads, whatsapps, entre outras tecnologias, conectados diariamente às “redes sociais” e aos seus grupos virtuais, e pouco usaram os telefones públicos, não registrando na memória essa tamanha mudança de conceito nas comunicações. A necessidade da informação imediata faz parte da vida deles, e faz com que em um simples toque na tela do “aparelho” seja possível se comunicar e acessar o mundo.
Hoje, rapidamente, se pode obter instantaneamente informação sobre quase tudo e sobre quase todos, assim como praticar diversos atos comerciais, assistir filmes, controlar aparelhos domésticos e acessar milhares de aplicativos que mudaram a vida das pessoas.
No caso daqueles que trabalham no meio jurídico, como nós os advogados - ou os juízes, os promotores e os procuradores - se pode de qualquer lugar, com razoável possibilidade de conexão à rede, acessar processos, peticionar (despachar no caso dos magistrados) e até acompanhar julgamentos. Sem dúvida, mudanças que geram uma nova dinâmica e mudam a velocidade das demandas.
As chamadas “redes sociais” também transformaram o relacionamento entre as pessoas. Em pouco tempo - nesta sociedade da informação instantânea e das demandas imediatas - cabe ao direito também a árdua tarefa de acompanhar e proteger a sociedade daqueles que a utilizam para causar prejuízo à terceiros, praticar atos de cunho injurioso, difamatório ou calunioso, ou mesmo contra aqueles que promovem a sistemática violação de direitos básicos previstos no Art. 5. da Constituição Federal.
A previsão, incluída no inciso V, garante “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, sendo que o inciso X, da mesma CF/1988, prevê que são invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Há um falso sentimento de que nas “redes sociais” se poderia fazer tudo e se esquece que ali, neste universo tão plural e democrático, também se deve obediência às regras básicas de convivência e de direito. Atualmente, são numerosas as demandas envolvendo pedidos de indenização decorrentes da utilização inadequada desta ferramenta de integração entre as pessoas.
As postagens com conteúdo injurioso, difamatório, calunioso ou inverídico e que causam grave lesão a direito de terceiros - muitas vezes com dezenas ou centenas de compartilhamentos sem nenhuma preocupação com a responsabilidade e sem dar nenhuma importância em averiguar em saber se qual a fonte e se ela é confiável – conduz ao direito à justa indenização.
Parece que os “freios inibitórios” foram retirados nestes meios de interação social e os usuários carecem - muitas vezes - de uma reflexão mais ponderada sobre quem serão aqueles que se poderá prejudicar com determinada postagem, compartilhamento ou comentário, esquecendo a responsabilidade que tal ação deriva.
Não há dúvida que em caso de violação de direitos e lesões aos prejudicados, através de atos praticados nas “redes sociais”, o causador do dano ou seus responsáveis legais poderão ser chamados a reparar o dano moral e material causado, o que, em alguns casos, pode corresponder até mesmo ao custeio de tratamento psicológico ao ofendido, tamanha é a possibilidade de lesão causada.
Evidente, entretanto, que a liberdade de expressão - sempre tão defendida e valorizada com uma das maiores e mais importantes conquistas da nossa sociedade moderna – encontra-se em outro patamar, pois em alguns casos pode existir uma linha tênue entre o que é manifestação ilícita e do que se trata de liberdade de expressão. Veja o exemplo a seguir:
Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PEDIDO COMINATÓRIO RELACIONADO À EXCLUSÃO DE REDE SOCIAL DE VÍDEO SUPOSTAMENTE OFENSIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL À MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. Não há, em princípio, inconstitucionalidade e tampouco ilegalidade na manutenção de página na rede mundial de computadores para reclamar ou informar, mesmo que negativamente, sobre fatos do cotidiano ou sobre produtos disponibilizados no mercado, como no caso em exame. O direito funda-se na garantia constitucional de liberdade de manifestação do pensamento e na liberdade de expressão, asseguradas pela democracia e pelo Estado constitucional plenamente aclamado após 1988. Respeitar a liberdade não é permitir que se faça uso do poderoso meio de comunicação que é a internet para promover a prática de ilícitos e ofensas à honra e dignidade das pessoas. No caso em exame, embora a autora insista que houve abuso do réu no exercício do direito constitucional à manifestação do pensamento, não é o que se vê do exame do vídeo juntado aos autos. Diante disso, exerceu o réu regularmente o direito constitucional à manifestação do pensamento, exatamente como considerou a sentença. Sentença de improcedência do pedido mantida. Recurso não provido. [1]
Os casos de indenização e condenações por danos morais e materiais em face de comentários ou compartilhamentos de conteúdos lesivos ao direito de terceiros tem se tornado diariamente uma rotina nos tribunais, devendo haver uma mudança no referencial da indenização fixada para que ocorra uma justa e adequada reparação dos danos sofridos.
Na análise da jurisprudência realizada, em tribunais de todo o país, se verifica que os valores ainda não representam a devida e eficaz reparação que um dano sofrido nas “redes sociais” causa à vitima, que muitas vezes pode decretar a permanência de danos psicológicos irreparáveis.
Se hoje devemos abrir um amplo debate sobre os critérios de fixação da reparação, não menos importante é a preocupação na fiscalização e orientação dos menores, para que os pais não venham a ser chamados a responder às ações judiciais decorrentes dos atos praticados por eles na internet, mas precisamente quando se relacionam com outros nas redes sociais.
A lei é clara quando diz no Art. 932 do Código Civil que:
São também responsáveis pela reparação civil:
I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
E os nossos tribunais têm formado uma jurisprudência que vem enfrentado - caso a caso - a questão, deixando para a ampla análise da prova a verificação da existência do ato ilícito, dano moral e a sua extensão.
Pela importância do tema, voltarei a abordar, em outros artigos, as possibilidades de responsabilização civil nas demais “mídias sociais”, assim como uma análise mais detalhada dos conflitos jurisprudenciais existentes, como forma de fomentar este debate que tanto interessa a sociedade brasileira.
A liberdade e a responsabilidade jamais se divorciarão nas “redes sociais”, como forma de preservar a própria dignidade da pessoa humana.
[1] 0008649-94.2013.8.26.0196 Apelação / Indenização por Dano
Relator(a): Carlos Alberto Garbi; Comarca: Franca
Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 30/06/2015
Data de registro: 01/07/2015
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*José Augusto Araújo de Noronha, advogado e presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná.
** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.
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