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1.Direitos e garantias fundamentais

Como nenhuma outra Carta Política anterior [1] a Constituição Federal de 1988 incluiu em seus primeiros dispositivos a generosa relação de direitos e garantias fundamentais. E declarou a existência e a efetivação da ação de habeas corpus (art. 5º, LXVIII) em harmonia com o valor da dignidade da pessoa humana, elevado à categoria de fundamento da República (art . 1º, III).

O writ of habeas corpus nasceu na Inglaterra, com raízes no velho Direito Romano e se desenvolveu a partir da Magna Carta que simbolizou “o crepúsculo das luzes do absolutismo e acenou a imaginação do homem com uma nova era, a época da proteção da liberdade humana” [2]. Ninguém melhor que Ruy Barbosa para definir o habeas corpus como “a pátria da liberdade individual” [3].

Em antológica obra acerca desse maior instrumento jurídico de liberdade, o imortal Pontes de Miranda afirma que os juízes ao julgarem “devem ter presente que o habeas corpus é a pedra de toque das civilizações superiores, um dos poucos direitos, pretensões, ações e remédios com que se sobrepõem aos séculos passados, mal saído da Idade Média e dos absolutismos dos réis, os séculos da civilização liberal-democrática, nos países em que ela logrou se firmar. Fazer respeitada a liberdade física é um dos meios de servir e sustentar essa civilização, a que todos os homens, de todos os cantos da Terra, se destinam, sem ser certo que todos a logrem. Os que não a lograrem desaparecerão” [4].

2. A proposta de reforma do Código de Processo Penal

O Anteprojeto transformado em Projeto de Lei do Senado nº 156, de 2009, de reforma do Código de Processo Penal, no art. 636, mutilava as hipóteses de ilegalidade previstas no vigente art. 648, para estabelecer que o remédio heróico seria cabível somente quando não houvesse justa causa para a prisão ou para sua decretação (I); quando quem ordenasse a prisão não tivesse competência para fazê-lo (III); quando houvesse cessado o motivo que autorizou a prisão (IV); quando o processo a que se referisse a prisão ou a sua decretação fosse manifestamente nulo (VI); quando extinta a punibilidade do crime objeto da investigação ou do processo em que se determinou a prisão (VII) [5]. E o parágrafo único do mesmo dispositivo excluía o habeas corpus nos casos em que coubesse recurso com efeito suspensivo.

Antes mesmo da audiência pública concedida pelo Senador Renato Casagrande (Relator), em sessão plenária do Conselho Federal da OAB (18.05.2010), a Comissão Especial de Estudo do Projeto, instituída pela Portaria nº 11, de 09.03.2010, do Presidente Ophir Cavalcante Junior [6] já havia, reiterada e publicamente, se manifestado contra as malsinadas restrições. A ilegalidade e o abuso de poder na denúncia e a violação do princípio do devido processo legal no curso da instrução, serviam de exemplos em face dos graves prejuízos à apuração da verdade no interesse público e à dignidade da pessoa humana do réu estariam imunes à intervenção reparadora do habeas corpus que fora “substituído” pelo agravo retido ou por instrumento (arts.462 e 463). O primeiro, com efeito, apenas devolutivo para ser conhecido como preliminar da apelação; o segundo, com os inconvenientes quanto à eventual perda do prazo; formação do instrumento; remessa ao Ministério Público para responder ao recurso; exercício do juízo de retratação; remessa ao tribunal; autuação e, finalmente, a distribuição a um relator.

Das seguidas reuniões de trabalho entre a Comissão, o Senador Casagrande e o consultor legislativo, Fabiano Augusto Martins Silveira , a posição de resistência da OAB foi acolhida e a aprovação de um Substitutivo (art. 664) restaurou todas as hipóteses vigentes do art. 648 do CPP.

3. O obstáculo da Súmula STF 691

Dispõe a Súmula 691 do STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar ”.

Mas o imperativo constitucional de se conceder habeas corpus “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 5º,LXVIII), prevaleceu apesar da restrição sumular. A decisão paradigmática da remoção da Súmula STF 691, ocorreu na concessão liminar da Medida Cautelar em Habeas Corpus nº 86.864-9 (São Paulo), requerida em favor de Flávio Maluf, pelo advogado José Roberto Batocchio e outros, contra ato do relator do HC nº 47829 do Superior Tribunal de Justiça. O plenário, por maioria de votos [7], acompanhou o relator, Ministro Carlos Velloso. A ementa do acórdão registra a necessidade de abrandamento da Súmula STF 691, “diante da flagrante violação à liberdade de locomoção” não podendo a “Corte Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiã-maior, portanto, dos direitos e garantias constitucionais, quedar-se inerte”.

Em novo precedente (18.02.2013), a 1ª Turma da Corte Suprema, no HC 120.301(SP), sendo paciente Donizete Correa e advogados Daniel Salviato e outro e coator o Relator do HC nº 282.094 no Superior Tribunal de Justiça, manteve esta orientação conforme voto do relator, Ministro Dias Toffoli. Vale reproduzir partes da ementa:1. Em princípio, se o caso não é de flagrante constrangimento ilegal, segundo o enunciado da Súmula nº 691, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere liminar. 2. Entretanto, o caso evidencia situação de flagrante ilegalidade, apta a ensejar o afastamento excepcional do referido óbice processual”.

4. O não conhecimento de habeas corpus substitutivo

No julgamento do HC 109956, pelo Supremo Tribunal Federal, em 07.08.2012, inaugurou-se novo entendimento jurisprudencial limitando o alcance do writ. Tendo por objetivo a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, os tribunais superiores passaram a conhecer do habeas corpus apenas quando a impetração não substitui o recurso legalmente previsto. Ou seja, o acórdão do tribunal local deve ser impugnado pelo recurso ordinário constitucional (CF, arts. 102, II, a e 105, I, c)

Pode-se afirmar que essa orientação restritiva tem uma fonte absolutamente incompatível com os valores da liberdade e da segurança individuais. Com efeito, o Ato Institucional nº 6 de 1º de fevereiro de 1969. (Presidente Arthur da Costa e Silva).

O Presidente da República,

Considerando que, como decorre do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, a Revolução brasileira reafirmou não se haver exaurido o seu poder constituinte, cuja ação continua e continuará em toda a sua plenitude, para atingir os ideais superiores do movimento revolucionário e consolidar a sua obra;

Considerando que, como órgão máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal é um a instituição de ordem constitucional, recebendo da Lei Maior, devidamente definidas, sua estrutura, atribuições e competência;

Considerando haver o Governo, que ainda detém o poder constituinte, admitido, por conveniência da própria Justiça, a necessidade de modificar a composição e de alterar a competência do Supremo Tribunal Federal, visando a fortalecer sua posição de Corte eminentemente constitucional e, reduzindo-lhes os encargos, facilitar o exercício de suas atribuições;

(....)

Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:

...........................................

II - julgar, em recurso ordinário:

a) os habeas corpus decididos, em única ou última instância, pelos Tribunais locais ou federais, quando denegatória a decisão, não podendo o recurso ser substituído por pedido originário

É oportuno transcrever: “HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. (...) O habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º da lei fundamental, não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento,tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea “a”, e 105, inciso II, alínea “a”, tem-se a previsão do recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por tribunal superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de tribunal regional federal e de tribunal de justiça”.

Contrariamente, porém, as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal decidiram pelo cabimento de habeas corpus substitutivo quando há risco direto à liberdade do paciente: “sendo objeto do habeas corpus a preservação da liberdade de ir e vir atingida diretamente, porque expedido mandado de prisão ou porquanto, com maior razão, esta já ocorreu, mostra-se adequada a impetração, dando-se alcance maior à garantia versada no artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta de 1988.” – HC 117578, Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJe 10.02.14; “o eventual cabimento de recurso não constitui óbice à impetração de habeas corpus, desde que o objeto esteja direta e imediatamente ligado à liberdade de locomoção física do Paciente” (HC 112836, Min. Cármen Lúcia, 2ª T., DJe 15.08.2013).

É importante destacar que o Ministro Marco Aurélio – relator do precedente que inaugurou o obstáculo – justificou a mudança da jurisprudência da Turma para se conhecer do writ: “Após a Turma ter assentado a inadmissibilidade linear do habeas corpus quando substitutivo do recurso ordinário, muitas ponderações têm sido feitas, calcadas na garantia do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, a revelar que será concedido habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação ao direito de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder. (...) Sensibiliza a comunidade jurídica e acadêmica a circunstância de o recurso ordinário seguir parâmetros instrumentais que implicam a demora na submissão ao órgão competente para julgá-lo. Isso acontece especialmente nos Tribunais de Justiça e Federais, onde se aponta que, a rigor, um recurso ordinário em habeas corpus tramita durante cerca de três a quatro meses até chegar ao Colegiado, enquanto o cidadão permanece preso, cabendo notar que, revertido o quadro, a liberdade, ante a ordem natural das coisas, cuja força é inafastável, não lhe será devolvida. O habeas corpus, ao contrário, tem tramitação célere, em razão de previsão nos regimentos em geral. Daí evoluir para, presente a premissa segundo a qual a virtude está no meio-termo, adotar a óptica de admitir a impetração toda vez que a liberdade de ir e vir, e não somente questões ligadas ao processo-crime, à instrução deste, esteja em jogo na via direta, quer porquanto expedido mandado de prisão, quer porque já foi cumprido, encontrando-se o paciente sob custódia”.

O generoso fundamento dessa mudança de rumo tem assento na hierarquia constitucional do habeas corpus porque “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF, art. 5º, XXXV) com o acesso pleno de todos à jurisdição. A jurisprudência, os regimentos internos e demais atos normativos e muito menos as vicissitudes administrativas dos órgãos judicantes, não podem contrariar a declaração institucional da competência do Supremo Tribunal Federal para exercer a guarda da Constituição (art. 102)

O precedente abriu passagem no Superior Tribunal de Justiça para a concessão de habeas corpus de ofício, com base no art. 654,§ 2º do Código de Processo Penal: “Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso do processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”. Um aresto relatado pela ministra Laurita Vaz demonstra a restauração do bom senso judicante:

“1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recentes pronunciamentos, aponta para uma retomada do curso regular do processo penal, ao inadmitir o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário. Precedentes: HC 109.956⁄PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11⁄09⁄2012; HC 104.045⁄RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 06⁄09⁄2012. Decisões monocráticas dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, respectivamente, nos autos do HC 114.550⁄AC (DJe de 27⁄08⁄2012) e HC 114.924⁄RJ (DJe de 27⁄08⁄2012).

2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro Marco Aurélio, no sentido de que, “no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício (...).

4. Habeas corpus não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva da ora paciente, ressalvada a possibilidade da expedição de outro decreto prisional, desde que devidamente fundamentado, ou, ainda, da adoção de outras medidas cautelares pelo Juízo condutor do processo, conforme salientado no voto”.

5. O manifesto descumprimento da alta jurisprudência

O Supremo Tribunal Federal revisou sua orientação em 21.05.2013, mas há julgados de cortes estaduais, federais e até mesmo o Superior Tribunal de Justiça que continuam a negar conhecimento aos habeas corpus quando existe recurso próprio. A recusa em se adequar à modificação da jurisprudência da Corte Maior tem causado graves prejuízos aos jurisdicionados, especialmente no campo da execução da pena. Os precedentes contra a liberdade estão influenciando os tribunais locais que têm afirmado a inadequação de habeas corpus contra as decisões do Juízo da Execução, em face da previsão do agravo previsto no art. 197 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

Sabe-se, pela prática forense, que os recursos costumam demorar a ser julgados (no mínimo, meses) e, ainda que exista pedido de liminar, a tramitação dos autos inviabiliza a urgência. O agravo em execução, por exemplo, conta com várias etapas até a apreciação de eventual pedido liminar.[10] : interposição; recebimento pelo Juízo; formação do instrumento; remessa ao Ministério Público para responder ao recurso; exercício do juízo de retratação; remessa ao tribunal; autuação e, finalmente, a distribuição ao relator.

A inevitável demora é suficiente para justificar o cabimento do habeas corpus sempre que se discuta o direito de locomoção do sentenciado-paciente, como ocorre com frequência no âmbito da execução penal. Mas os tribunais brasileiros, por consequência ao precedente do Supremo Tribunal Federal em relação ao habeas corpus substitutivo, têm negado conhecimento dos writs impetrados contra decisões do juízo da execução.

Dispõe o Dec-lei nº 4.657, DCE 04.09.1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Muitas rebeliões carcerárias, com vítimas internas do sistema penitenciário e danos materiais, têm como pano de fundo a falta da jurisdição devida pelo Estado para conhecer de incidentes como as conversões da pena privativa de liberdade, o excesso ou desvio de execução e o indulto. Essa omissão ocorre, com notável e lamentável frequência, também quando já se caracterizaram benefícios como o livramento condicional e a progressão de regime. Além dos atentados à dignidade da pessoa humana, que é um dos valores fundamentais da República (CF, art. 1º,III), as insurreições promovidas pelos presos se estendem para muito além dos muros que os contém e se expandem para atacar vidas, bens e interesses sociais relevantíssimos dos demais cidadãos que têm ameaçada a sua vida, liberdade, segurança, patrimônio e outros direitos e bens da personalidade.

Tais julgados de exclusão sacrificam, neste caso, os “fins sociais a que se dirige a lei” [11] porque mantém a prisão além do tempo fixado na sentença ofendendo o princípio constitucional da razoável duração do processo e gerando a obrigação estatal de indenizar o condenado (art.5º, LXXV e LXXVIII).

6. Precedentes

“AGRAVO REGIMENTAL - INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO INICIAL DE HABEAS CORPUS - MATÉRIA RELACIONADA À EXECUÇÃO PENAL - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - PREVISÃO DE RECURSO PRÓPRIO (ARTIGO 197 DA LEI 7.210/84) - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUBSTITUTIVO DE RECURSO - ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (...)

No entanto, o posicionamento atual, tanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto do Supremo Tribunal Federal, é o de que, existindo recurso específico ¬ no caso, o agravo em execução ¬ não pode o habeas corpus servir como seu substitutivo. Entende-se que a referida ação constitucional deve ter sua abrangência restrita às hipóteses de flagrante e direto desrespeito ao direito de ir e vir dos cidadãos. [12]

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“DIREITO PROCESSUAL PENAL – O habeas corpus é via procedimental inadequada para a discussão de questão incidente em execução penal, não se admitindo o seu manuseio como sucedâneo de via recursal específica – Inteligência do art. 5°, inciso LXVIII, da Constituição da República; arts. 647 e seguintes do Código de Processo Penal e; art. 197, da Lei de Execução Penal – Habeas corpus indeferido”. [13]

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“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO À IMPETRAÇÃO. AÇÃO QUE VISA À CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR AO PACIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS COMO SUBSTITUTIVO DO RECURSO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO PARA COMBATER DECISÕES PROFERIDAS NA EXECUÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE RACIONALIZAR A UTILIZAÇÃO DA AÇÃO CONSTITUCIONAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA PRECEDENTES DO STF E DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. [13]

É certo que tal orientação diz respeito às hipóteses de habeas corpus impetrados nos tribunais superiores. Contudo, o efeito sobre a jurisprudência das cortes locais sedimentou o óbice formal também em relação aos casos de execução penal, mesmo quando o incidente de execução envolver diretamente o jus libertatis do condenado, em manifesto prejuízo à celeridade que demandam tais hipóteses.

7. A liberdade para o habeas corpus na execução penal

Estabelece o art. 197 da Lei 7.210/1984 que “das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo” . No entendimento dos redatores da Lei de Execução Penal [15], havia necessidade de instituir um recurso próprio para a efetivação dos direitos do condenado e do internado e atender situações rotineiras de assistência, trabalho, deveres, disciplina, sanção e recompensa. Mas o legislador jamais pensou na exclusão do habeas corpus quando cabível como ocorre nas hipóteses de satisfação dos requisitos de progressão do regime fechado para o semiaberto e deste para o aberto; do livramento condicional; do cumprimento da pena; da detração e da remissão para mudança de regime ou extinção da pena. Na verdade, há situações nas quais a ação de habeas corpus não pode ser rebaixada à condição de substitutivo de um recurso de menor expressão. A sua dimensão no plano da proteção individual lhe confere autonomia funcional e com prioridade absoluta para a remoção da violência ou coação que afetam a liberdade de locomoção. Para superar a jurisprudência de não conhecimento do writ há muitos casos de concessão ex officio com base no § 2º do art. 654 do Código de Processo Penal, diante da manifesta evidência de constrangimento ilegal.

8. Uma lição histórica

O Ministro Nélson Hungria, em seus votos no Supremo Tribunal Federal, muito contribuiu para a amplitude do remédio heróico como garantia institucional, acolhendo seu extenso manejo. Mesmo quando denegava a ordem, o imortal magistrado fazia questão de frisar que “a garantia do habeas corpus não pode ser restringida na amplitude com que assegura a Constituição” (HC 31.623 (DF), pleno, em 13.06.1951.

*Colaborou na pesquisa de jurisprudência o Advogado Bruno Correia.

[1] 1824, 1891, 1934,1946,1967 e 1969.

[2] PINTO FERREIRA. História e prática do “habeas corpus”, 2ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1982, p. 3.

[3] A obra de Ruy Barbosa em Criminologia e Direito Penal (Seleções e Dicionário de Pensamentos), introdução de Roberto Lyra, Rio de Janeiro: Editora Nacional do Livro, 1952, p. 224.

[4] História e prática do habeas-corpus, 3ª ed., Rio de Janeiro: José Konfino, Editor, 1955, p. 505. (Os destaques em itálico são do original).

[5] Foram excluídas as hipóteses de: a) falta de justa causa (para a investigação ou ação penal; b) quando a coação for ordenada por quem não tiver competência para fazê-lo; c) não admissão da prestação de fiança autoriza em lei; d) quando o processo for manifestamente nulo (CPP, art. 648, I, III, V e VI).

[6] René Ariel Dotti, presidente. Demais membros: Raimundo Ferreira Marques, vice-presidente; Délio Lins e Silva (relator), José Alberto R. S. Cabral, Guilherme Octávio Batochio e Roberto Lauria. Participou dos trabalhos, indicado pelo IBCCrim, Alberto Zacharias Toron.

[7] Vencidos os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cezar Peluso.

[8] STF, HC 109956, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., Dje 11.09.2012.

[9] STJ, HC 239550(RJ), 5ª T., Dje 26.09.2012.

[10] Cfe., o item nº 2.

[11] Lei nº 7.210/1984. “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

[12] TJPR, 1ª C.Crim, Arc. 1196099-1/01, Rel. Marcos S. Galliano Daros, DJe 06.05.2014. No mesmo sentido, TJPR, 4ª C. Crim., HC 1195107-4, Rel. Des. Renato Naves Barcellos., DJe 09.05.2014.

[13] TJSP – HC 2059917-28.2014.8.26.0000 – 7ª C.Crim. – Rel. Des. Amaro Thomé – DJe 16.05.14.

[14] TJSC, Agr. Reg. em HC 2013.091404-6, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 11.02.2014.

[15] Sobre as comissões de redação e revisão do Anteprojeto vide a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal nº 213 de 09.05.1983, item 186.

[16] Em FELÍCIO FUCK, Luciano. Memória jurisprudencial- Ministro Nelson Hungria, Brasília: ed. Supremo Tribunal Federal, 2012, p. 47.

*René Ariel Dotti: Advogado; Professor Titular Direito Penal; Vice-Presidente Honorário da AIDP; Comenda do Mérito Judiciário do Paraná; Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007); Corredator do projeto da nova Parte Geral do CP e da Lei de Execução Penal (Leis 7.209 7.210/84; Membro de comissões de Ref. do Sist. Penal criadas Ministério da Justiça (1979 a 2000); Diploma da OAB, Câmara dos Deputados e Comissão da Verdade (1964-1985) Secretário da Secretaria de Cultura do Paraná (1987-1991). Escreve quizenalmente para o Justiça & Direito.

** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.

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