3,2 mil famílias brasileiras aguardam uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que deve definir se elas poderão ensinar seus filhos em casa, prática conhecida como homeschooling. Um caso do Rio Grande do Sul, que tem como relator o ministro Luís Roberto Barroso, vai ter repercussão geral e deve servir como parâmetro para todos os outros processos semelhantes. Está em questão a liberdade dos pais de escolherem por quais meios vão prover a educação dos filhos.
A legislação brasileira não trata explicitamente sobre homeschooling, mas o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que as crianças têm direito à educação e que esta é uma obrigação dos pais. Além disso, o Código Penal define o abandono intelectual como crime, suscetível a pena de detenção por 15 dias ou multa. A própria Constituição Federal tem um capítulo voltado à educação e que esta é dever do Estado e da família.
Mãe em Curitiba luta pelo direito de ensinar o filho em casa
Cerca de 3,2 mil famílias no Brasil aguardam decisão do STF para ter a autorização legal para praticar o “homeschooling”
Leia a matéria completaA maioria dos ministros do STF considerou o tema de repercussão geral. Apenas Dias Toffoli e Teori Zavascki discordaram. E as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber não se manifestaram.
Tema constitucional
Projetos de Lei
Confira a s propostas sobre homeschooling apresentadas no Congresso Nacional
Autor: João Teixeira (PL/MT – atual PR)
Cria o ensino domiciliar de primeiro grau – determinando que o curriculo obedecera as normas do mec e que o aluno prestara verificação no final do ano, junto a rede estadual de ensino, para capacita-lo a serie subsequente.
Situação: Arquivado
Autor: Ricardo Izar (PTB/SP)
Dispõe sobre o ensino em casa.
Situação: arquivada
Autor: Osório Adriano (PFL/DF – atual DEM)
Institui a educação domiciliar no sistema de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Situação: Apensado ao PL 6001/2001
Autor: Wladimir Costa (PMDB/PA)
Dispõe sobre o atendimento educacional especializado em classes hospitalares e por meio de atendimento pedagógico domiciliar.
Situação: Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
Autor: Henrique Afonso (PT/AC ), Miguel Martini (PHS/MG)
Autoriza o ensino domiciliar no ensino básico. Acrescenta parágrafo único ao art. 81 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que institui as diretrizes e bases da educação nacional e dispõe sobre o ensino domiciliar.
Situação: Arquivada
Autor: Walter Brito Neto (PRB/PB)
Dispõe sobre educação domiciliar
Situação: Apensado ao PL 3518/2008
Autor: Lincoln Portela (PR/MG)
Acrescenta parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica.
Situação: Pronta para Pauta na Comissão de Educação (CE)
O diretor jurídico da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) Alexandre Magno Fernandes Moreira considera uma sinalização positiva o fato de o processo sobre educação em casa ter sido considerado de repercussão geral. Para ele, isso mostra que a corte considerou que o assunto deve ser decidido de acordo com a Constituição e não com base em leis infraconstitucionais.
“A controvérsia envolve, portanto, a definição dos contornos da relação entre Estado e família na educação das crianças e adolescentes, bem como os limites da autonomia privada contra imposições estatais”, considerou o ministro Barroso na decisão sobre a repercussão geral do processo.
Barroso apontou três aspectos que devem ser observados na análise do caso: o social, relacionado ao direito constitucional de educação como direito de todos e exercício de cidadania; o jurídico, que se refere à interpretação dos conceitos de igualdade e liberdade contidos na Constituição; e o econômico, que deve ser considerado porque esta seria uma possibilidade de redução dos gastos públicos com educação.
A Aned, assim como o Instituto Conservador de Brasília, solicitou o ingresso como amicus curiae no processo que corre no STF, mas o relator ainda não se pronunciou sobre o pedido.
Críticas
O procurador do procurador do Estado do Rio Grande do Sul Luís Carlos Hagemann apresentou uma manifestação em que demonstra o posicionamento contrário ao homeschooling. Ele citou o filósofo espanhol Fernando Savater, que durante uma palestra afirmou que “um dos primeiros objetivos da educação é preservar os filhos de seus pais”.
Em entrevista ao Justiça & Direito, Hagemann explicou que a frase é uma transcrição do que o filósofo falou e que a citação foi feita com o objetivo de gerar reflexão. Ele também afirmou que pretende se aprofundar para conhecer melhor a linha filosófica de Savater.
O procurador adianta que sua interpretação é que a escola é um local não apenas de educação, mas de socialização. “A função da escola não é apenas fornecer material didático. Mas preparar um adulto que um dia vai conviver em sociedade e inclusive com pessoas com quem não vai concordar”, diz Hagemann.
O diretor jurídico da Aned critica o fato de o procurador ter recorrido a argumentos filosóficos e não jurídicos para se opor ao homeschooling.
Hagemann responde que não há na atual legislação brasileira previsão para essa alternativa. “Não existe no ordenamento jurídico a previsão de que é possível que uma criança seja educada fora da escola”. O representante do MP cita o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que determinam que os pais têm obrigação de matricular os filhos no ensino regular.
O procurador cita ainda uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2002, que indeferiu o pedido feito por uma família. Eles impetraram o Mandado de Segurança 7407 em reação ao parecer do Ministério da Educação que não lhes concedia o direito de ensinar os filhos em casa.
A Procuradoria do Estado do Rio Grande do Sul também solicitou ser amicus curiae na causa.
Consequências jurídicas
De acordo com o diretor jurídico da Aned, atualmente há 19 famílias sendo processadas no Brasil por praticarem homeschooling. Apenas dois casos transitaram em julgado e em ambos as famílias foram condenadas, mas não a detenção ou a perda da guarda, apenas a multa. E, mesmo com a condenação, não matricularam os filhos em escolas regulares.
Para Moreira, o risco jurídico para os que adotam método é muito pequeno, pois menos de 1% das famílias foram questionadas judicialmente.
Representantes da Aned se reuniram com o ministro Barroso recentemente. Segundo eles, o ministro confirmou que pretende apresentar seu voto e disponibilizar o processo para votação até o fim deste ano. Outro ponto positivo para a entidade é que o ministro já teria manifestado que o tema pertence à esfera de autonomia da família.
Regulamentação
Caso o STF aprove a prática do ensino em casa no Brasil, o assunto ainda não estará encerrado do ponto de vista jurídico. Entrará em questão a regulamentação dessa prática, como deve ser o acompanhamento e a avaliação do desenvolvimento dos alunos que são ensinados pelos próprios pais.
Moreira conta que a regulamentação é um tema polêmico entre os membros da comunidade homeschooling. “Há pessoas de diversas vertentes, uns mais legalistas, outros anarquistas. Tem gente de direita, de esquerda, cristãos e ateus”, explica o representante da Aned sobre a diversidade de perfis das famílias que adotaram a alternativa.
Na opinião dele, deveria haver uma regulamentação mínima, mas “a ideia não é transportar toda a lógica escolar para dentro de casa. Do contrário, seriam anulados os benefícios da educação domiciliar”.
Desde 1994, pelo menos sete projetos de lei sobre homeschooling foram apresentados no Congresso Nacional (veja no quadro). Alguns deles foram arquivados e outros aguardam para serem analisados em comissões parlamentares.
Hagemann não descarta a possibilidade de que o ensino domiciliar venha a se tornar lícito no Brasil, mas reitera que hoje não é uma prática legalizada. Ele diz que os países podem ou não optar pelo homeschooling. Enquanto diversos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido e França permitem a prática, a Alemanha veda. Uma família alemã chegou a questionar a proibição na Corte Europeia de Direitos Humanos, mas a decisão sobre o caso, conhecido como Konrad x Germany Decision é que não haveria um direito sendo violado e os países podem tanto permitir, quanto vedar a prática. Para o procurador, cabe aos cidadãos cumprir a legislação vigente.
Conheça a lei
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Art. 6o É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade.
Abandono intelectual
Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.