O início da greve dos professores do estado do Paraná nesta segunda-feira (17) reacende o debate sobre os direitos dos grevistas e os limites impostos pela legislação. A Constituição Federal garante aos trabalhadores o direito a fazer a paralisação, mas, quase três décadas depois, os legisladores ainda não criaram a lei que regulamenta a greve no serviço público. Esse é apenas um dos motivos que tornam mais difícil descontar os dias parados dos servidores grevistas.
A falta de ação do Legislativo levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a determinar que a legislação da iniciativa privada seja aplicada por analogia, no que couber, para o serviço público em geral. Em 1994, em resposta ao mandado de injunção n.º 20 (MI 20), a corte reconheceu a mora do Congresso Nacional e lhe fez um comunicado “a fim de que tome as providências necessárias à edição de lei complementar indispensável ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis”. Mesmo assim, o Congresso não editou lei sobre o tema e, em 2007, ao julgar os MIs 670, 708 e 712, o Supremo declarou a omissão do Legislativo e determinou que a Lei 7.783/89 seja aplicada no que couber.
Mandado de Injunção
É um remédio constitucional. De acordo com o STF, mandado de injunção (MI) é: “Processo que pede a regulamentação de uma norma da Constituição, quando os Poderes competentes não o fizeram. O pedido é feito para garantir o direito de alguém prejudicado pela omissão”.
“Para suprir omissão, o STF reconheceu que o Legislativo estava em mora. Até que não venha essa lei, a corte regulamentou o direito de greve do servidor público ao aplicar a Lei de Greve para os servidores públicos”, explica o advogado Eduardo Antonio Bossolan.
O advogado José Lúcio Glomb, especialista em direito do trabalho, considera “lamentável omissão legislativa”. “Não houve efetivamente atividade legislativa que determinasse uma lei específica para o serviço público”, acrescenta.
Direito legítimo
A lei da iniciativa privada define como legítimo o do direito de greve, com “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. Os grevistas têm garantido o direito de empregar meios pacíficos para convencer outros trabalhadores a aderirem à greve. Por outro lado, não podem impedir o acesso ao trabalho, nem ameaçar ou causar dano à propriedade ou pessoa.
Veja os serviços considerados essenciais na Lei de Greve
Lei 7.783/1989, criada para a iniciativa privada e aplicada em analogia para o serviço público
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
A Lei 7.783 define, ainda, que as empresas não podem constranger os empregados a comparecerem ao trabalho, nem dificultar a divulgação do movimento. Os funcionários também não podem ser demitidos durante o período do movimento, e substitutos não podem ser contratados, a não ser “com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável”.
A desembargadora do trabalho Marlene Suguimatsu considera que o STF avançou ao adotar um parâmetro inicial. Mas ela ainda aponta lacunas como a diferenciação entre atividades essenciais privadas e no serviço público. Para Marlene, que é vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9), não deve haver muita diferenciação entre o que é essencial em um regime ou em outro.
A desembargadora considera que educação, por exemplo, apesar de ser fundamental para a sociedade, não é um serviço essencial como o atendimento de emergência em um hospital. Mas, segundo a interpretação dela, nesses casos, entra a discricionariedade dos juízes que vão julgar o tema. No caso dos professores do Paraná, por serem servidores públicos estaduais, o dissídio ocorre no Tribunal de Justiça do estado.
Desconto dos dias
Outro ponto que entrou em debate no STF em setembro de 2015 é a possibilidade de se descontar dos vencimentos dos servidores públicos os dias não trabalhados devido à greve. O questionamento é se ocorre suspensão do contrato de trabalho durante a greve – que justificaria o desconto – ou não. O relator do Recurso Extraordinário (RE) 693456, ministro Dias Toffoli, já manifestou o entendimento de que é possível fazer o desconto mesmo que o movimento não seja considerado abusivo.
O ministro Luiz Edson Fachin fez um contraponto em seu voto e afirmou que “considera que a adesão do servidor público a movimento grevista não pode representar opção econômica de renúncia ao pagamento”. O próximo a votar seria o ministro Luís Roberto Barroso, mas ele pediu vista do processo. Em agosto deste ano, Barroso devolveu a matéria para voltar a julgamento.
Militares
A Constituição Federal (Art. 142) e a Constituição Estadual do Paraná (Art. 45) vedam a participação de militares em greves. No caso do estado, policiais e bombeiros militares não podem paralisar os trabalhos.
Glomb explica que, na prática os descontos acabam sendo objeto de negociação e entram na pauta da própria greve. Em alguns casos, se acorda uma reposição, mas em outros os dias não trabalhados acabam sendo abonados pelos empregadores.
Ainda de acordo com o advogado, no serviço público os servidores acabam tendo mais poder de barganha, pois geralmente atuam em setores importantes e se sentem mais seguros com a estabilidade. Ele observa que, no caso da iniciativa privada, o empregador não pode demitir imediatamente após a greve, mas, no decorrer do tempo, o funcionário poderá ser dispensado.
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