A Justiça do Trabalho presencia uma intensificação dos conflitos, reflexo da crise, que leva mais pessoas a litigarem em consequência de demissões e outros problemas de ordem trabalhista. Por outro lado, esse mesmo contexto de crise faz com que o orçamento do próprio Judiciário - como o dos outros poderes - fique mais enxuto. Com esses desafios, o desembargador Arnor Lima Neto assume a presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região nesta sexta-feira (4). O novo presidente conversou com o Justiça & Direito no início desta semana e, além do contexto atual, falou sobre a importância da busca pela conciliação em todos os momentos dos processos trabalhista. Lima Neto também frisou a importância da legislação trabalhista vigente no Brasil. Para ele, não deve haver flexibilização das leis trabalhistas, o que é necessário é a uniformização da jurisprudência.
Ficha técnica
Naturalidade: Rancharia-SP
Currículo: bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Paulista, especialista em Metodologia do Ensino e da Pesquisa Jurídica Aplicada pela Universidade Tuiuti do Paraná e em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Santa Catarina e Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC do Paraná.
Jurista que o inspira: Mozart Victor Russomano
O que está lendo: C atedral do Mar, Ildefonso Falcones
Nas horas vagas: gosta de ficar com a família
O senhor atua na Justiça do Trabalho há 28 anos. Quais as principais mudanças que presenciou nesse período?
Entendo que a Justiça do Trabalho é um ramo do Judiciário que tem uma relevância social bastante acentuada, na medida em que atua em uma relação bastante sensível de trabalho, que envolve a própria sobrevivência das pessoas diretamente. As pessoas que se socorrem do Judiciário Trabalhista vêm em busca da satisfação de direitos fundamentais, de cunho alimentar. Fiquei seduzido por ela e aqui permaneço desde 1987. Hoje, o TRT-PR conta com uma estrutura bastante diferente daquela que eu conheci no início da minha carreira, se expandiu bastante e atende todo o Paraná. Quando ingressei, era uma condição de trabalho até certo ponto deficiente. Hoje, temos 97 varas instaladas no Paraná; 23 em Curitiba, oito em Londrina – quando ingressei eram apenas duas em Londrina e uma em Maringá, onde agora temos cinco varas. Temos 214 juízes, 31 cargos de desembargador no TRT. Há um volume significativo de processos, e é bastante tensa a nossa atividade em razão disso.
Qual o volume de processos no TRT-PR?
Hoje tramitam 300 mil processos na Justiça dos Trabalho do Paraná. No ano passado, tivemos ajuizados em ações novas, 150 mil processos. A matéria que comumente se encontra nos processos se refere ao pagamento de horas extraordinárias. Hoje, também temos um volume bastante grande e processos envolvendo indenizações por acidente de trabalho e doenças profissionais. Dano moral também [vem crescendo] em razão da evolução do entendimento de como se deve compreender as relações de trabalho, com condições de urbanidade e um tratamento digno. Posso dizer que também tramita no tribunal um volume muito grande processos em razão das possibilidades recursais que existem.
O que o senhor pretende manter da gestão anterior? E o que pretende inovar?
A administração do tribunal sempre está muito atenta à eficiência da Justiça, ao pronto atendimento do cidadão, à solução rápida das demandas. Todas as administrações têm o foco principal nessa questão: reduzir o máximo possível o tempo do processo. E isso se faz com a implementação de uma estrutura suficiente de juízes, de equipamentos, o processo digital, a instalação desse processo. E isso se faz como uma política nacional. Eu estive há poucos dias no Encontro Nacional de Presidentes e Corregedores de Tribunais, onde se assinalaram as metas e os objetivos a serem alcançados no próximo ano. É claro que a redução do tempo do processo se alcança com a implementação cultural, mas também depende de uma situação econômica do país. Nesse encontro, nosso tribunal recebeu uma premiação do CNJ, o Selo Diamante, que somente cinco tribunais receberam, quatro deles da Justiça do Trabalho.
Como a situação atual de crise impacta a Justiça do Trabalho?
Todo o direito trabalhista envolve patrimônio, é traduzido em valores. Esses valores dependem dos recursos [financeiros], dos valores. Se há uma situação econômica relativamente favorável no país, diminui o número de processos na Justiça do Trabalho e facilita a solução do processo em razão da disponibilidade patrimonial do devedor. A crise que se assinala como bastante séria, por um lado fará com que a Justiça do Trabalho tenha mais demandas. Haverá, com certeza, dificuldades de cumprimento das obrigações por parte dos devedores, haverá demissões de empregados pela retração econômica. Por outro lado, presumimos que haverá dificuldade na cobrança devido à falta de recursos por parte do devedor. É um ciclo difícil de se superar em curto espaço de tempo, a economia tem que girar positivamente para que isso volte a ser possível.
E como é possível apresentar soluções nesse contexto?
Nós como administradores do Tribunal pretendemos implementar recursos que possibilitem aos juízes alcançar esse objetivo da Justiça: solucionar [os processos] e atender bem o cidadão. Temos também a preocupação de darmos as melhores condições possíveis aos servidores; atendê-los nas suas necessidades estruturais, de crescimento pessoal, de formação. Temos a Escola Judicial que atua diretamente nessa área. O administrador tem essas duas preocupações imediatas: estruturar bem a Justiça materialmente e humanamente para que se alcance este resultado positivo, ou seja, julgarmos mais processos do que ingressam.
E como fica a administração do Tribunal com a redução do orçamento?
Há uma preocupação que também é muito grande, que é sobre uma atuação mais política, de buscarmos os recursos orçamentários para a atender à necessidade orçamentária. A administração do tribunal se vê em uma situação bastante difícil nesse momento em que está o país. Em termos de arrecadação, para atender os nossos desejos orçamentários, que não são desejos pessoais para atender mera vaidade do administrador, mas, sim, as necessidades de se atender o custeio da estrutura existente e de ampliação dessa estrutura. Nós temos um projeto em andamento no Congresso Nacional, com a criação de 600 cargos de servidores, mais cargos de desembargadores, mais cargos de juízes. É claro que isso vai depender dos pareceres das comissões de finanças, de Constituição e Justiça, para que a gente atue nesse projeto e que ele seja aprovado, ampliando a Justiça do Trabalho. O Tribunal também participa de ações de responsabilidade social, buscando otimizar os recursos que tem, economizar os recursos materiais em todos os sentidos.
Por falar em ampliação, no último domingo, foi realizado o concurso para formação de cadastro de reserva para cargos de técnico e analista judiciários. Quais as possibilidades de os aprovados serem chamados?
De imediato, o número de cargos é bem reduzido. Mas temos duas possibilidades de provimento de alguns cargos: primeiro, em razão das aposentadorias que ocorrem durante o ano. Ano passado, foram 106 aposentadorias, há expectativa sempre de uma renovação. Outra expectativa é a aprovação deste projeto que está tramitando, que também contempla a instalação de nove novas varas. A tramitação no Congresso pode levar mais algum tempo, e depende da sanção da Presidência.
Também presenciamos nesta semana a greve parcial do transporte público em Curitiba. Muitas vezes, o problema acaba tendo de ser resolvido na Justiça do Trabalho. Qual a relevância dessa mediação?
A Justiça do Trabalho é a justiça competente para decidir, arbitrar, se as partes não chegarem à conciliação espontaneamente fora do Judiciário. Há um desembargador competente para isso. Agora, a atribuição aqui é do vice-presidente, mas o presidente também atua em determinadas circunstâncias. Primeiro, se fazem audiências conciliatórias em que se tenta, ouvindo as partes, alcançar um denominador comum. Se não se alcança, é instaurado um processo que se chama dissídio coletivo, onde se colocam as cláusulas, os desejos, as pretensões das partes que reivindicam. Aí, a Justiça se reúne em determinadas audiência a decisão. Mas a conciliação é o nosso foco. Não só nesses casos, mas em casos individuais, o juiz busca conciliar. Temos a Semana Nacional de Conciliação. Temos, ainda, um juízo de conciliação permanente, que tenta alcançar uma solução. Sempre, durante todo o trâmite do processo, a conciliação é o objetivo. Quando há uma sentença, sempre uma das partes fica frustrada. A conciliação é sempre o melhor caminho, a melhor solução para o litígio.
Na sua opinião, é preciso flexibilizar as leis trabalhistas? Por quê?
Temos uma realidade que não podemos ignorar, que é uma dificuldade da compreensão e da aplicação da legislação existente e uma possibilidade de interpretação diversa pelos juízes. Isso causa certa insegurança. O número de ações em juízo reflete não a desonestidade, o objetivo de fraudar direitos, mas até a dificuldade de se saber qual seria a melhor interpretação para aquela norma legal. Hoje, temos a possibilidade da uniformização da jurisprudência. Então, entendo que, em médio prazo, teremos uma condição de maior certeza em relação a esse ou aquele dispositivo legal. Essa é a primeira questão que solucionaria um pouco essa situação que vivemos hoje que precipita nesse discurso da flexibilização ou da alteração da legislação. Eu vejo a legislação trabalhista no Brasil como o mínimo necessário para termos uma condição de trabalho satisfatória para o trabalhador. Não vejo necessidade de uma flexibilização, de uma mudança profunda na legislação. O que percebo é que deve haver uma maior segurança jurídica na aplicação da legislação que temos. Os direitos previstos na legislação me parecem básicos, mínimos para que a gente tenha uma condição de trabalho satisfatória, um ambiente salubre, uma condição de progressão social do trabalhador. Não vejo a necessidade de se precarizar direitos a partir de uma mudança legislativa. Os direitos assegurados na Constituição a descanso remunerado, a férias, a certa garantia de salário são o mínimo que se deseja em uma relação tão difícil entre capital e trabalho que, em princípio, têm interesses antagônicos, mas que devem se harmonizar porque são dependentes. Como disse certo doutrinador: são irmãos siameses que se odeiam, mas que não podem viver separadamente. É uma contradição capitalista.
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