A escolha do novo juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos desperta curiosidade por extrapolar o meio judiciário daquele país e, assim como no Brasil, ter grande impacto político. O justice (como são chamados esses magistrados) Antonin Scalia, que faleceu na semana passada, deixa uma vácuo para os conservadores, já que era uma de suas principais referências. Diante disso, os republicanos querem garantir que seu substituto só será escolhido no próximo mandato presidencial. Mas o presidente Barack Obama tem garantias constitucionais para fazer a escolha ainda durante seu mandato. O que Obama não tem é respaldo político e, por isso, deve ser travada uma disputa intensa, paralela à corrida presidencial norte-americana. Em entrevista ao Justiça & Direito, a professora de direito constitucional da UFPR Vera Karam de Chueiri faz um comparativo e explica as forças que pesam para a escolha do novo juiz. Vera atualmente é pesquisadora visitante na Universidade Yale, nos Estados Unidos, e respondeu às perguntas da reportagem do por e-mail.
Quais as principais semelhanças e diferenças entre os sistemas norte-americano e brasileiro para escolhas de membros da Suprema Corte e do STF?
No sistema estadunidense a indicação de um justice para a Suprema Corte é feita pelo presidente da república e a sua confirmação é feita pelo Senado, após o que ele é nomeado por ato do presidente. Em tese, qualquer cidadão poder ser indicado ao cargo. Isto está disposto no artigo 2º da Constituição Americana, section 2, segundo o qual o presidente “( ...) with the Advice and Consent of the Senate, shall appoint (...) Judges of the Supreme Court, and all other Officers of the United States, whose Appointments are not herein otherwise provided for, and which shall be established by Law (...).”
No sistema brasileiro, a indicação de um ministro para o STF é também feita pelo presidente da república e a nomeação se dá após a manifestação e respectiva aprovação do indicado pelo Senado, conforme o disposto no art. 84, inc. XIV da Constituição Federal: “nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal (…)”. Até aqui não há, do ponto de vista do exercício da função institucional, diferença entre os dois sistemas, cuja previsão de indicação e nomeação envolve o chefe do poder executivo, não sem a consulta e respectiva aprovação de uma das casas legislativas, o Senado. Nos dois sistemas haverá uma “sabatina” exercida por comissão específica: no caso estadunidense, a Senate Judiciary Committe e, no brasileiro, a Comissão de Constitucionalidade, Justiça e Cidadania do Senado.
Entretanto, no procedimento interno do Senado há peculiaridades e diferenças em cada sistema, como por exemplo, no caso estadunidense, a atuação dos lobistas junto aos senadores, no interesse dos grupos que representam. Ainda, diferenças sutis na forma de arguição dos senadores, a possibilidade de após a sabatina se solicitar informações adicionais e destaco o fato de o parecer da Senate Judiciary Committe poder, além de ser favorável ou não à indicação, ser neutro. De toda sorte, em ambos os casos, após a sabatina pela Comissão, o plenário do Senado deve votar confirmando ou não a indicação.
Obama tem garantias constitucionais para que possa indicar o novo membro da Suprema Corte?
Uma simples leitura e literal compreensão do artigo 2, section 2 da Constituição Americana, o qual eu já mencionei, dá a resposta. Compete ao Presidente, com o aconselhamento e consentimento do Senado, indicar os juízes da Suprema Corte. Nesse sentido, manifestou-se o presidente Obama ao dizer que pretende exercer suas responsabilidades constitucionais de indicar um sucessor para a vaga aberta em virtude do falecimento do justice Scalia e de que há tempo suficiente para fazê-lo, assim como há tempo para o Senado sabatinar e votar a indicação.
Como os republicanos podem impedir a indicação ou a nomeação de um novo juiz da Suprema Corte durante o mandato de Obama?
Não há qualquer fundamento constitucional que impeça a indicação mas há como impedi-la por outros meios. Ou seja, pode o Senado –que é majoritariamente republicano- obstruir o procedimento da sabatina, por meio da Comissão Especial a qual, por sua vez, pode solicitar informações adicionais para postergar os procedimentos seguintes. As obstruções podem seguir na sessão de votação do pleno do Senado para confirmar ou não a indicação. Por fim, pode, ainda, o Senado não confirmar a indicação. O argumento mais risível dos republicanos, na minha opinião, é o que a vaga de Scalia deve ser preenchida apenas no mandato do futuro presidente, pois “o povo” deve ter voz na seleção do próximo juiz da Suprema Corte.
Quais os impactos que o período eleitoral tem na indicação do novo juiz e vice-versa?
As indicações e nomeações para a Suprema Corte Americana se relacionam diretamente com a política partidária de forma que ter a maioria republicana ou democrática na Corte dá a temperatura de tempos mais ou menos liberais ou conservadores, na medida em que existe uma “política” da e na Corte. Isso, pois, a disputa de sentido de uma Constituição de mais de 200 anos, cujo processo de alteração pela via legislativa é extremamente difícil, dá à Suprema Corte o protagonismo para decidir questões controversas e centrais. São temas relacionados à liberdade de expressão, ao financiamento de campanhas, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à deportação de pessoas em situação ilegal, ao aquecimento global, etc. e que podem firmar um precedente para o futuro. Já houve momentos em que o presidente nomeou um juiz alinhado com sua orientação política, mas seu desempenho na Corte foi no sentido contrário, como por exemplo o caso do justice Warren nomeado por Eisenhower. As útlimas nomeações de Alito (Bush), Sonia Sotomayor (Obama) e Elena Kagan (Obama) passaram por uma dura sabatina devido, justamente, ao seu definido alinhamento político com o presidente que os indicou e as implicações disso no futuro da Corte e da política em geral.
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