A maneira como os juízes são influenciados pelas doutrinas é o tema de pesquisa do jurista italiano Jacopo Paffarini. Neste estudo, ele acompanha com curiosidade como se desenvolve a cultura jurídica no Brasil e como novas leis se desenvolvem ao serem aplicadas e como práticas modernas, por exemplo a arbitragem, são utilizadas. O jurista italiano, que está no Brasil para fazer seu projeto de pós-doutorado na faculdade Imed, de Passo Fundo-RS, e concedeu entrevista à Gazeta do Povo quando participou do evento O Direito Processual Civil nos Tribunais Superiores, em Foz do Iguaçu. Ao comparar as realidades do Brasil e da Itália, Paffarini acaba por fazer um paralelo entre momentos políticos como a famosa Operação Mãos Limpas, que ocorreu em seu país, e a atual operação Lava Jato, aqui no Brasil.
- Currículo: Bacharel em Direito pela Universidade de Perugia; mestre em Direito com a colaboração do Centro Tecnológico de Monterrey (Campus Ciudad de México); doutor em Direito Público pela Universidade de Perugia (Itália); pós-doutorando em Direito - Imed (Brasil). Pesquisador visitante do Instituto Max-Planck de Direito Público Comparado - Heidelberg (Alemanha). Membro pesquisador do Grupo Internacional de Pesquisa “Corte, Doutrina e Sociedade Inclusiva: o impacto das fontes doutrinárias nas Cortes Superiores”
- Juristas que o inspiram: Marcelo Neves e Michel Miaille
- Nas horas vagas: Pratica boxe e gosta de futebol (torce para o Grêmio)
Seria possível dizer se houve uma mudança no Judiciário
italiano depois da operação mãos limpas?
Depois da operação mão limpas mudaram os partidos políticos, mas não as pessoas. Continuam as mesmas pessoas que formavam os velhos partidos políticos (Partido Comunista, Democracia Cristã, Partido Socialista e Partido Republicano), eles fundaram outros partidos. É claro, tem de se tirar todos os que foram condenados pela magistratura, mas a classe política é a mesma. O Poder Judiciário tem um papel muito importante no controle da corrupção, mas ele não pode mudar uma classe política inteira, uma elite política. O que foi bom para a Itália, não foi tanto a intervenção do Judiciário, mas a intervenção do Judiciário com o apoio da população italiana, que começou a participar mais da política. Acho que no Brasil, a obra do Judiciário pode ser muito importante por dar uma mensagem ao povo. De participar mais, de pedir pela democratização. Na Itália, por exemplo, a comoção cresce, mas o povo não participa. Aí o povo não se interessa por aquilo que acontece no universo superior. Acontece tudo, porque não há controle.
Mas o Judiciário da Itália também mudou o perfil depois da operação? Tornou-se mais independente?
Sim, mudou o perfil. Criaram-se muitos organismos informais entre as cortes, de luta contra a corrupção. Então, cada tribunal tinha um grupo de magistrados antimáfia e outro anticorrupção. Era uma organização institucional. Dois juízes morreram na Operação Mãos Limpas. Foram os últimos a morreram na Itália pelas investigações contra a máfia. Investigavam um círculo que envolvia políticos e a máfia para a construção de prédios na Sicília. Então, com isso, na Itália se despertou uma necessidade de organização entre os juízes. Com um especial corpo de delegados e magistrados, todos especializados em questões sobre corrupção. Sobre os delatores: na Itália também houve pessoas que não falaram o que realmente aconteceu, falaram somente para culpar alguém, para ter uma redução de pena. Um dos acusados se matou. Ainda não se sabe o motivo. Então, a delação é algo que tem de ser tratada com muito cuidado. Tem de se desenvolver um processo. Na Itália há uma comissão para verificar tudo o que os delatores afirmam. E, sobretudo, há de se manter em segredo. Acabar com investigações não oficiais também é importante. Quando todos os delatores tiverem dado as informações, pode-se fazer uma declaração à imprensa. A imprensa falou por meses antes sobre coisas que eram incertas. Cria-se um cenário de instabilidade política no país. Uma investigação do Judiciário que causa instabilidade no país porque não existe segredo.
Uma das suas áreas de pesquisa é sobre o impacto das fontes doutrinárias nas cortes superiores. Qual é o foco dessa pesquisa? Ela tem relação com as cortes aqui do Brasil?
Sim, essa pesquisa ainda está em aberto. Agora que vou ficar no Brasil, analisarei as decisões dos tribunais. O foco dessa pesquisa é como a doutrina jurídica pode afetar o julgamento. Qual é o papel da doutrina nas decisões judiciais. Então vamos falar da formação de juristas e dos juízes. Qual é a formação dos juízes, se eles estudaram no exterior. Se eles foram influenciados pelo pensamento norte-americano ou pelo pensamento europeu. Fala-se, sobretudo, sobre um conceito jurídico que chega a um preconceito cultural de caráter ideológico, por ser uma ideologia histórica política e econômica.
O senhor já fez essa pesquisa na Itália. Quais conclusões você pode destacar?
O processo interpretativo das normas jurídicas é sempre aberto. O processo interpretativo, o resultado interpretativo pode sempre mudar porque o direito deve ser visto como uma prática social. Então, respondo para alguns fatores sociais, econômicos e sociais, quais influências afetam os juízes. O que afetam as cortes são as práticas aplicativas, normalmente. Com isso, não quero dizer que há uma causalidade direta com toda a fenomenologia social, mas que existe um complemento entre fenomenologia social e direito. No qual o direito permite certa conservação da fenomenologia social. Por exemplo, a arbitragem. A arbitragem é um típico instituto processual da globalização moderna que esta se expandindo. Existe um diálogo frequente entre cortes estaduais e câmaras de arbitragem, que pode ser uma câmara internacional, regional – como no Mercosul. Esse diálogo produz um conceito que conserva o atual modelo de globalização, que é um modelo turbo-capitalista – na Europa é uma ideia que chega da e hegemonia do capitalismo financeiro. Então é uma queda da soberania estatal.
Como se dá essa queda da soberania estatal?
O mercado é que agora vai continuar a organizar essa tipologia de desenvolvimento da globalização e os modelos jurídicos transnacionais, como a arbitragem que é comum em todas as partes do mundo. Com relação aos direitos humanos, para conservar essa forma de desenvolvimento do capitalismo, para conservar essa hegemonia do mercado, ainda que pareça que se vá humanizar o capitalismo, na verdade vão conservar e não haverá mudança. Portanto, para voltar ao questionamento anterior, a minha pesquisa é sobre a mudança de pensamento da chance jurídica, à qual pertencem também os juízes, com as suas decisões e elaborações conceituais. A chance jurídica é, dentro dessa tipologia de produção, o ator principal que pode mudar alguma coisa, pode desviar o processo de desenvolvimento do direito que agora parece de uma só dimensão, de uma só direção. Então com o tributo da chance jurídica pode ser muito importante. Especialmente se entendermos o direito como prática social num sentido crítico; para fazer mudar algumas coisas. Claro sem enfrentar a democracia. Porque a chance jurídica pode fazer uma mudança de muitas coisas no direito, mas há de se guardar o sentido democrático do estado.
No Brasil, cria-se uma lei para tentar criar uma cultura jurídica. Enquanto, em outros países, primeiro existe a cultura e isso acaba se convertendo em lei. Como o senhor vê isso? É um bom caminho?
Seguramente é um bom caminho. Arranja-se um novo CPC, deve-se isso a uma mudança de mentalidade, a uma mudança cultural. Acho que existe uma exigência sobre isso. Claro que depois a nova cultura depende muito de como será interpretada a nova formulação desse código. A cultura é um processo circular. A cultura jurídica não é afastada daquilo que acontece na formação social de um povo; na cultura jurídica de uma sociedade que tem uma necessidade de mudança legislativa contínua. Desta maneira, podemos analisar que há uma ligação entre cultura jurídica e fenômenos sociais. A globalização é um fenômeno social, o mercado mundial é um fenômeno social. E acho que não é muito fácil ter um CPC que tenta prever tudo o que acontece no mercado mundial. É difícil para uma legislatura prever com formas legislativas tudo aquilo que vai acontecer. Isso é um desejo que os legisladores sempre tiveram ; de poder prever tudo. Fazer uma lei para poder prever tudo, geral e abstrata que valha para tudo. A lei é a teoria, o direito teórico. Depois, existe o direito prático, o direito de juízes. A cultura jurídica é uma mistura dos dois: teoria e prática. Então agora teríamos uma parte da cultura jurídica. A teoria é que introduziu o código, mas depois ela será complementada com a prática. Nessa junção se constrói a cultura jurídica. E o início de um caminho que pode tomar rumos maiores.
Colaborou: Victor Hugo Turezo