| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo
Ficha Técnica
  • Currículo: bacharel em direito pela UFMG; mestre e doutora pela PUC-MG; pós-doutora pela Universita degli studi di Roma Tre; pesquisadora do CNPq
  • Jurista que a inspira: Aroldo Plínio Goncalves
  • O que está lendo: O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura
  • Nas horas vagas: cozinha
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A Operação Lava Jato está dando visibilidade a algumas condutas que já eram adotadas pela Justiça antes, mas não recebiam destaque por não ter réus com nível socioeconômico tão elevado, como os de agora. Essa é a opinião da jurista Flaviane de Magalhães Barros. Ela esteve em Curitiba para uma aula na Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e conversou com o Justiça & Direito. Flaviane falou sobre a aplicação de normas internacionais no Brasil, a relevância da iniciativa das audiências de custódia e sobre a situação das vítimas no processo, um de seus temas de estudo.

Como você avalia a aplicação das normas internacionais vinculadas aos direitos humanos, como as relacionadas ao Pacto de São José da Costa Rica aqui no Brasil?

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São normas reconhecidas internamente no Brasil e que, de alguma forma elas são mais ou menos negligenciadas pela nossa jurisdição interna. Em especial, temos hoje um debate muito efetivo sobre uma das garantias que está no Pacto de São José da Costa Rica, que é o direito de a pessoa presa em flagrante ser apresentada a um juiz. A questão da audiência de custódia que o CNJ está tentando implantar no Brasil, não porque a Constituição estabelece isso, mas porque dentro do pacto esse é um direito da pessoa que é presa em flagrante não ser representada por um papel, mas ser apresentada pessoalmente ao juiz.

E qual a sua avaliação sobre esse esforço do CNJ?

Eu acho que é um passo dentro de uma aproximação do nosso sistema processual penal com a convencionalidade do Pacto de São José da Costa Rica, e também das decisões, seja dos informes da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos ou da Corte Interamericana dos Direitos Humanos. O Brasil, de alguma forma, tem sido condenado ou demandado nessas esferas internacionais, justamente por desrespeitar direitos humanos.

Qual o seu ponto de vista sobre as ações da Operação Lava Jato?

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No meu ponto de vista, o que nós precisamos no Brasil é fazer com que as garantias processuais sejam a todo e qualquer cidadão brasileiro, independente de ele ser rico ou pobre. A crítica que se pode fazer às decisões da Lava Jato, são as mesmas críticas que a gente já faz às decisões dos tribunais brasileiros sobre essas questões. Não acho que eu precise aumentar ou diminuir as críticas simplesmente porque agora, nos últimos anos, nós vemos pessoas que não são mais pobres ou minorias sendo processadas criminalmente, apesar de essas ainda continuarem sendo a maioria das pessoas processadas no Brasil. O direito à não autoincriminação, à defesa, a uma interpretação mais adequada sobre o excesso de prazo na prisão, valem pra todo mundo, e isso é importante e algo que a gente não vê acontecendo no Brasil. Existe uma resistência muito grande no Brasil às reformas processuais penais. Muitas coisas que desde 2008 a gente está mudando dentro da legislação, na prática jurisdicional, não vemos serem efetivadas, isso é um problema para todos, não só para a Lava Jato.

Uma das principais críticas à Lava Jato é que as prisões preventivas são mantidas para forçar a delação. O que você acha disso?

Além de advogada, eu sou pesquisadora. A minha pesquisa subsidiada, inclusive pelo CNPQ, é um monitoramento das decisões da lei de prisão e das medidas cautelares diversas da prisão, significa dizer que se eu fizer uma análise técnica dos fundamentos dessas prisões ou das razões pelas quais uma prisão está sendo mantida, elas não se justificam dentro da própria lei. No Brasil, a prisão deveria ser a última opção, seja no âmbito da Justiça Federal de 1º grau, ou seja, mesmo as discussões que foram se seguindo no âmbito recursal até chegar ao Supremo. A gente verifica que a discussão se pauta muito mais por ordem pública, comoção social, uma resposta à população, do que propriamente os critérios jurídicos que deveriam sustentar essa prisão. Só para tentar te exemplificar, a substituição da prisão no presídio por prisão domiciliar é continuar a mesma coisa. Teoricamente, se essa prisão fosse ilegal eu não poderia substituir por prisão domiciliar, eu teria que soltar as pessoas, pois elas têm o direito de responder pelo processo em liberdade. Qual a justificativa? O Brasil já tem um problema sério normativamente falando, que é permitir a prisão pela garantia da ordem pública, algo que os informes mais recentes da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos impedem. Para a Comissão, a justificativa de prisão preventiva deveria ser apenas risco de fuga e risco de intervir na investigação ou na produção de provas. Eu só poderia justificar alguém ser preso durante o processo por uma dessas hipóteses.

E o fato de poder reincidir?

A reincidência, para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não pode ser a justificativa para prender previamente. O risco da reiteração da conduta só se justificaria por essas medidas, mas se estabelece em determinados casos outras soluções como a substituição por uma medida cautelar. O que está sendo relatado aqui é verdadeiramente o que acontece no Brasil, só que antes não ficava tão evidenciado, as pessoas no Brasil têm respondido a processos muito mais presas do que soltas. Nós criamos uma resposta prévia para tudo, da mesma forma que é a busca e apreensão e bloqueio de bens, ou seja, se presume que o bem é ilícito. No nosso dia a dia, essa vivência é clara. O incômodo é natural nos advogados, mas é porque a gente já vê isso em todos os casos.

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Com relação às mudanças legislativas, há um novo Código de Processo Penal em tramitação. Esse código melhoraria a situação?

Nós tivemos, em 2010, a aprovação no Senado do projeto. De lá até agora, a Câmara dos Deputados simplesmente negligenciou esse projeto durante toda uma legislatura. Ou seja, ele ficou adormecido, enquanto o Código de Processo Civil, que foi feito depois, iniciou-se, desenvolveu-se e foi concluído. O que a gente percebe é que dentro da pauta da Câmara dos Deputados na legislatura anterior isso não era algo relevante. Nessa atual legislatura desde março foi aberto o pedido para que se nomeasse a comissão especial para discutir o código, mas, até onde eu saiba ainda, não foram indicados os deputados que vão participar dessa comissão. Tenho medo desse atual Congresso por ele ter uma linha mais conservadora, em especial a Câmara dos Deputados pela discussão da menoridade penal. Não sei se na atualidade o produto que vai sair é bom. O que nós já temos até agora, que é o produto do Senado, é um ganho com relação ao nosso código 1940.

Quais seriam os principais ganhos?

Talvez o principal ganho seja uma estrutura mais acusatória, o respeito ao contraditório, a preocupação com a redução dos poderes do juiz de atuar o ofício. É claro que isso são ganhos, ganhos constitucionais, ou seja, também não poderia ser de outra forma porque nós temos uma constituição que vai pautar esse projeto.

Seu estudo de doutorado foi sobre a participação da vítima no processo penal. Qual a sua abordagem?

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Na verdade, todos que estudam o processo penal estudam a defesa do acusado, e não os direitos das vítimas dentro do processo. É algo que no Brasil é pouco estudado. As vítimas não sabem nem mesmo quais são os seus direitos dentro de um processo. Em especial nas situações em que nós não temos entre os operadores do direito uma possibilidade de garantir à essa pessoa uma informação jurídica adequada por meio de uma assistência de advogados. Nós não temos hoje uma estrutura bem formada para uma assistência multidisciplinar da vítima em que pese, no caso de violência doméstica, ou crimes violento. Algumas cidades já têm alguns programas específicos de atendimento multidisciplinar das vítimas, mas elas não sabem como lidar com o processo penal, quais são os seus direitos, e o grande problema é que quando a gente vai reconstruir o fato criminoso, quem está lá na história como protagonista, não é o Ministério Público e sim a vítima. A gente reconstrói a história da vítima, então tem o corpo dela que é parte do processo, a vida dela, e essas pessoas não sabem muito bem quais são seus direitos dentro do processo. Na minha tese de doutorado eu tento estabelecer quais são esses direitos que essa vítima teria dentro do processo nos vários âmbitos, seja direito à reparação do dano, a uma assistência jurídica, médica, psicológica e assistencial, até seus direitos da personalidade como, por exemplo, o direito a intimidade, a segurança de não ter o seu nome exposto, não ter os seus dados pessoais publicamente abertos no processo, que são direitos que a muito pouco tempo o Brasil começou a reconhecê-los.

Colaborou: Lucas Prestes