A Lei Complementar 125/15, publicada em 28 de outubro de 2016, cria um interessante modelo de investimento para sociedades enquadradas no regime tributário Simples, sob a rubrica de “investidor-anjo”. Esse conceito é utilizado há tempos no mercado de startups, em que os sócios idealizadores de novos negócios buscam incentivos econômicos em investidores denominados “anjos”, por aportarem recursos que viabilizam a empreitada.

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Tais aportes eram normalmente efetivados com o ingresso do investidor como sócio, partilhando do risco e frutos do negócio. Assim, ele poderia figurar como acionista preferencial de S/A, sócio oculto em SCP ou ainda sócio de LTDA., com seus direitos regulados por acordo de quotistas paralelo. Essas opções conferiam tratamento societário diferenciado a tais sócios, que possuem função e expectativas distintas dos que estão à frente do projeto e da administração da empresa.

Atenta a esse fim, a LC 125/15, intitulada “Crescer sem Medo”, introduz nova forma de investimento na micro e pequena empresa. Assim, a LC 123/06, que regulamenta as regras aplicadas a estas, passa a autorizá-las a receber aportes de capital que não integrarão o capital social e serão efetuados por investidores-anjo.

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Tal investimento poderá ser realizado por pessoas físicas ou jurídicas e será regulado por “contrato de participação”, com prazo máximo de sete anos. A relação de investimento aparenta, assim, ser contratual e não societária. Os sócios “fundadores” seguirão no comando da administração da empresa, bem como serão os únicos responsáveis pelas dívidas sociais e estarão sujeitos à desconsideração da personalidade jurídica, afastando o investidor-anjo desse risco.

Por se tratar de relação contratual e não societária, o investidor-anjo não terá direito a voto ou à administração da sociedade, e os seus aportes serão remunerados conforme acordado em contrato, pelo prazo máximo de cinco anos. Sob a lei anterior, o investimento sem participação societária seria considerado mútuo. Mas, a nova legislação afasta a participação do conceito de empréstimo e a aproxima de uma relação societária, ao vincular a remuneração do investidor aos resultados distribuídos aos demais sócios e limitá-los a 50% dos lucros.

O direito de retirada também é regulado e o resgate do investimento só poderá ocorrer após o prazo acordado no contrato de participação, no mínimo dois anos após o aporte. No “resgate”, o investidor receberá seus haveres com base na situação patrimonial da sociedade na data do recesso, levantada em balanço especial. Os haveres não poderão ultrapassar o valor corrigido do aporte inicial.

Aproximam, ainda, o investidor-anjo da figura de sócio: a limitação à cessão de sua participação a terceiros, que exige consentimento dos demais sócios; o direito de preferência em caso de alienação da sociedade e de vender conjuntamente sua participação a adquirente da empresa, nas mesmas condições ofertadas aos sócios (tag along). A lei procura não restringir os investidores-anjo, uma vez que as vedações ao ingresso de determinadas pessoas físicas ou jurídicas como sócios de micro e pequenas empresas não se aplicam a eles. Assim, os impedidos de figurarem como sócios de tais empresas e, até mesmo, fundos de investimento, poderão participar delas como investidores-anjo.

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Enfim, a figura criada é bem distinta das modalidades usuais. Se por um lado mantém elementos societários, como a partilha do risco, apuração de haveres, limites na cessão e direitos de preferência e tag along, por outro é clara ao não configurar a participação como sociedade, porque o investidor não terá ingerência no negócio, direito a voto e não responderá por dívidas ou afastamento da personalidade jurídica.

Ao criar tais benesses ao investidor-anjo, o legislador buscou equilibrá-las com os interesses da micro e pequena empresa e seus sócios, pois vincula a remuneração do investimento aos lucros gerados, cria um teto ao retorno do investimento e ao pagamento de haveres e estabelece prazos mínimos para o resgate e máximos para remuneração do investimento. Há, ainda, o incentivo de desconsiderar o investimento como receita bruta para os fins do limite anual de enquadramento das micro e pequenas empresas.

As regras atinentes ao investidor-anjo terão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2017. Há ainda algumas dúvidas, como do §10º do art.61-A, quanto à tributação da retirada do investimento. É preciso esclarecer se esta refere-se ao resgate, à remuneração ou ao fim da participação do investidor após o prazo contratual. Se fixada sobre a remuneração, constituirá desvantagem frente à distribuição de dividendos.

Observamos que a nova lei produz efeitos não apenas sobre o investidor, mas também sobre os demais sócios, a micro e pequena empresa e terceiros que com ela contratam. Ao fim, cria-se um novo tipo societário, “sociedade que possui investidor-anjo”, que dadas as vantagens estabelecidas, provavelmente será bastante adotada e fomentará investimentos.

Natália Villas Bôas Zanelatto, advogada, graduada em Direito pela UFPR e especializada em Direito Empresarial Internacional pela Universidade Panthéon-Assas (Paris II). Ela integra a equipe do escritório Andersen Ballão Advocacia desde 2007.