| Foto: Robson Vilalba

A manifestação dos servidores públicos do último dia 29 de abril ganhou repercussão internacional depois que o Centro Cívico de Curitiba virou uma praça de guerra. O episódio traz à tona um conflito de direitos de todos os lados. Se, de um lado, os deputados estaduais tinham o direito ao trabalho para votar o projeto de lei que altera a ParanaPrevidência, de outro, os cidadãos tinham o direito de acompanhar a sessão. Se de um lado, há o direito à greve e o direito à manifestação, de outro, o Governo do Estado agiu para garantir o cumprimento de uma ordem judicial. Se todos estavam exercendo seus direitos garantidos pela Constituição Federal e no regimento interno da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), qual teria sido o motivo do episódio tomar tais proporções?

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“O grande problema de tudo isso é que estava todo mundo exercendo seus direitos, mas no momento do exercício do direito houve excesso de todos os lados”, analisa o doutor em direito Eduardo Saldanha. Para o ele, o conflito de direitos dos deputados, que queriam votar o projeto de lei, e os cidadãos, que queriam acompanhar a sessão, foi resolvido pelo Poder Judiciário e a decisão deveria ser respeitada.

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Excesso de um lado não justifica ações do outro

O direito à manifestação é garantido na Constituição Federal, desde que os manifestantes estejam desarmados e a reunião não ocupe um espaço em que outro evento já estava marcado. Já o direito à greve é garantido constitucionalmente a qualquer categoria de trabalhadores, mas existe uma série de requisitos que devem ser preenchidos, ou o movimento pode ser considerado ilegal pela Justiça.

O movimento grevista dos professores do estado Paraná chegou a ser considerado ilegal pela Justiça durante os dias em que os servidores estavam realizando as manifestações de abril em frente à Alep, mas de acordo com o sindicato da categoria, os professores não foram notificados.

Para o constitucionalista Paulo Ricardo Schier, a atuação da polícia no dia 29 de abril pode ser interpretada como forma de impedir os servidores de exercerem o direito à manifestação.

“Na prática o que nós tivemos foi uma ação da polícia que sob o pretexto de resolver um problema de tentativa de invasão da Assembleia Legislativa, na verdade, buscava dissipar a manifestação”, explica. “A desproporcionalidade ali teve o objetivo muito nítido de dissipar a manifestação”, completa.

Em relação ao argumento de que a greve dos professores havia sido considerada ilegal em um primeiro momento, o constitucionalista afirma que isso não influenciaria o direito à manifestação. “Ainda que o Tribunal [de Justiça do Paraná] tivesse definitivamente considerado [a greve] ilegal, que já tivesse julgado o recurso e portanto efetivamente a greve fosse ilegal, isso não impediria os professores de se manifestarem, porque uma coisa é o direito de greve e outra coisa é o direito de manifestação”, diz.

Apesar de defender o direito dos manifestantes de entrarem na Alep, o professor de direito Antônio Munhoz da Rocha Neto afirma que houve excesso por parte dos manifestantes que tentaram furar o cerco policial que se formara em torno do prédio. “Por mais absurda que seja a decisão judicial, deve haver um freio ao movimento social, que não pode tentar impor a força”, opina o advogado. “Isso de forma nenhuma justifica a reação da polícia depois, mas não pode ser desconsiderado”, observa Rocha.

A Constituição prevê, no artigo 1º, que a República se constitui pelo Estado Democrático de Direito e, no artigo 2º, define que os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são “independentes e harmônicos entre si”. “Um estado democrático de direito se faz por uma democracia de fato e por instituições fortes. Os deputados precisam exercer o poder a eles instituído por uma eleição livre”, afirma Saldanha.

Um interdito proibitório foi deferido pelo juíz Eduardo Lourenço Bana, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), no qual o magistrado assegurava o uso da força policial em caso de descumprimento da decisão, que impedia nova ocupação da Alep por funcionários públicos. Em fevereiro desse ano, os professores ocuparam o local para impedir a votação de uma versão mais drástica do projeto que altera previdência.

Uma decisão do juiz substituto Márcio José Tokars - após pedido de habeas corpus impetrado pelo grupo de advogados Direito para Todos - liberava a entrada de dirigentes sindicais e estudantes nas galerias da Alep, para que pudessem acompanhar as sessões dos deputados. Apesar da decisão, o comando de greve decidiu que, já que todos os manifestantes não poderiam acompanhar a sessão, ninguém iria.

O professor de direito Antônio Munhoz da Rocha Neto, da faculdade Estácio de Sá, discorda da decisão judicial que proibiu os manifestantes de acompanharem a sessão, com base na ocupação da Alep em fevereiro. “Na minha opinião, excesso passado não justifica a restrição futura de um direito”, diz o professor.

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A mesma opinião sustenta o constitucionalista e professor da Unibrasil Paulo Ricardo Schier: “A partir do momento em que eles [manifestantes] dentro das galerias passassem a impedir o trabalho dos deputados, a polícia poderia intervir para colocar ordem na sessão. Jamais previamente”, opina. “Você não pode, em nome do direito ao trabalho, impedir o direito à manifestação”, garante.

Para Schier, a presença dos manifestantes na Alep não se restringia apenas ao fato de acompanhar a sessão ou não. “A questão não é só de ter acesso à galeria para acompanhar o julgamento, a questão é mais ampla. A questão é de ter acesso à galeria para o povo poder influenciar, criticar e eventualmente sensibilizar os deputados em relação ao seu posicionamento”, explica. “A presença do povo na galeria também tem a finalidade de fazer a pressão popular, que é algo legítimo da democracia”, completa.

Legislação

Veja a regulamentação dos direitos que conflitaram entre si no último dia 29, no Centro Cívico:

  • Direito à manifestação: Contrários às mudanças na previdência do estado, manifestantes se reuniram desde o dia 27 abril (segunda-feira), no Cento Cívico. De acordo com o art. 5º da Constituição Federal, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
  • Direito à greve: As propostas de mudança na previdência e a insatisfação sobre a data-base levaram os professores a entrar em greve pela segunda vez este ano. O art. 9º da Constituição garante que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.
  • Direito de ir e vir: Durante as manifestações, professores fecharam ruas que dão acesso ao Centro Cívico na tentativa de impedir que os deputados chegassem à Alep. O art. 5º da Constituição Federal diz que “é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair”.
  • Direito a acompanhar as sessões da Alep: Apenas dirigentes sindicais e estudantes foram autorizados a assistir a seção em que haveria votação sobre a previdência. O Regimento Interno da Alep, em seu art. 109, diz que “qualquer pessoa poderá assistir às sessões das galerias, desde que esteja desarmada e guarde silêncio, sem dar sinal de aplauso ou de reprovação ao que se passar na Alep”.
  • Direito ao trabalho: De um lado, professores pleiteavam melhores condições de trabalho. De outro, deputados têm o direito de exercer suas funções. O art. 6º da Constituição estabelece que o trabalho está entre os direitos sociais. No art. 193, se lê que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objeti vo o bem-estar e a justiça sociais”.
  • Direito à democracia: a Constituição prevê já no preâmbulo que o Estado Democrático de Direito é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça” . Segundo o artigo 1º, parágrafo único, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos”.