| Foto: Gladyston Rodrigues/EM

Ao longo dos quase três anos de Operação Lava Jato, prisões preventivas têm sido tema recorrente de debate. Ao mesmo tempo, outros casos penais também despertam questionamentos sobre os efeitos e a finalidade desse tipo de medida. A libertação do ex-goleiro do Flamengo Bruno Fernandes na última semana, por exemplo, gerou polêmica. Ele tinha em comum com os acusados de crimes de colarinho branco o fato de estar cumprindo uma prisão provisória. E, tanto para prender provisoriamente, quanto para soltar, os critérios devem seguir as diretrizes do processo penal.

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Bruno foi condenado em primeira instância a 22 anos de prisão – 17 anos e 6 meses em regime fechado por homicídio qualificado (por motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima); 3 anos e 3 meses em regime aberto por sequestro e cárcere privado; e 1 ano e 6 meses por ocultação de cadáver. Mas ele ainda não estava cumprindo a pena por esses crimes. No Brasil, para que isso ocorra é necessário, no mínimo, a condenação em segunda instância, que, no caso de Bruno, seria o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG). Por decisão do Tribunal do Júri que negou que ele recorresse em liberdade, o goleiro estava preso por uma medida cautelar há seis anos, enquanto aguardava o julgamento do recurso em segundo grau.

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A prisão preventiva pode ser decretada tanto durante as investigações, quanto no decorrer da ação penal. Assim como a prisão temporária e a em flagrante, é um tipo de prisão provisória, uma medida cautelar. Enquanto a prisão temporária tem prazo limitado de cinco dias, prorrogáveis por igual período, a preventiva não tem prazo determinado.

Mas se as investigações se estenderem por muito tempo, como é o caso da Lava Jato?

O jurista René Ariel Dotti defende que esse tipo de prisão seja mantida enquanto a investigação ocorra, ainda que leve um tempo razoável. Um exemplo é Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro da construtora que leva o sobrenome da sua família, que está preso desde junho de 2015. “Ele é um acusado de extraordinário poder econômico, com grande capacidade criminosa. Ele pode destruir provas e neutralizar testemunhas pelo poder que tem. Nesse caso, justifica-se a preventiva”, observa Dotti.

“Embora as prisões cautelares decretadas no âmbito da Operação Lava Jato recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”

Sergio Moro juiz federal, em despacho

O jurista explica ainda que, quando há negociação de delação premiada, um dos compromissos do delator é não interpor recurso, o que inclui não impetrar habeas corpus. De acordo com as negociações da defesa de Odebrecht com o Ministério Público federal (MPF), ele deve permanecer preso até dezembro de 2017.

Dotti, que é advogado da Petrobras na operação, alerta que os limites para a preventiva seriam os prazos estipulados no Código de Processo Penal, como o tempo que deve decorrer para se ouvir testemunhas, emitir a sentença e julgar a apelação, por exemplo. Realizados esses tipos de trâmites, a prisão provisória não deve mais se justificar, na opinião dele. “Tudo em função da razoável duração do processo”, considera Dotti.

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Desconto na pena

O período que o réu fica em prisão provisória é descontado da pena após a condenação. No caso de Bruno, o advogado que atua na área do direito penal Ivan Xavier Vianna Filho calcula que, pelo tempo que está preso preventivamente, o goleiro já cumpriu quase dois quintos do que seria a pena de 22 anos, que é o tempo mínimo necessário para ter progressão em casos de crimes graves. Ou seja, se estivesse cumprindo realmente a pena, o goleiro em breve poderia ir pra o regime semiaberto.

Mas o que o ministro Marco Aurélio Mello do Supremo Tribunal Federal (STF) levou em conta foi a demora para o julgamento do recurso pelo TJ-MG e o fato de a prisão provisória se prolongar por tanto tempo com base na pressão popular, sem atender aos requisitos exigidos pelo processo penal. Não significa que Bruno não vá responder pelos crimes, mas que é necessária uma decisão do tribunal em breve para definir se ele volta para a prisão e por quanto tempo.

O ministro destacou que no Brasil não existe segregação automática de condenados, o que significa que ninguém pode ser imediatamente preso após a condenação em primeiro grau se não representar ameaça. “A complexidade do processo pode conduzir ao atraso na apreciação da apelação, mas jamais à projeção, no tempo, de custódia que se tem com a natureza de provisória”, observou Marco Aurélio. Para o ministro, quando negou o direito a Bruno de recorrer em liberdade, o júri atendeu ao clamor social, que, segundo ele, não é suficiente para respaldar uma prisão preventiva.

Vianna Filho observa que, possivelmente, na época em que Bruno foi preso – em 2010 –, a detenção se justificasse por ameaças ao prosseguimento do processo. Uma das testemunhas foi morta – Sérgio Rosa Sales, primo de Bruno que também era réu no processo – em 2012. Por outro lado, quando as investigações estão concluídas, e já houve a condenação em primeiro grau, é preciso apurar se esse risco deixou de existir.

Mas, afinal, quando pode haver preventiva?

Para que a prisão preventiva seja decretada dois requisitos são indispensáveis. É preciso que existam provas da materialidade – que o crime de fato ocorreu – e da autoria. Além disso, pelo menos uma das três alternativas a seguir precisam justificar a prisão: garantia da ordem da ordem pública – risco de que o réu volte a cometer o crime; conveniência da instrução – que seria evitar que o réu dificulte as investigações ameaçando testemunhas ou destruindo provas; e assegurar o cumprimento da lei penal – quando há risco de que o réu fuja.

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Vianna Filho acrescenta que a prisão preventiva só deve ocorrer se outras medidas cautelares não surtirem efeito, como o uso de tornozeleira eletrônica, a restrição de que o acusado vá a determinados locais ou exerça determinadas atividades.

O advogado observa ainda que o mensalão foi um divisor de águas no Brasil: de lá para cá, começou a ocorrer uma mudança radical no processo penal brasileiro. “Durante muito tempo, era muito frouxo. Agora, comprimiu exageradamente. Ainda não encontramos o equilíbrio”, opina Vianna Filho.

Sergio Moro

Recentemente, no despacho da 38ª fase da Lava Jato, realizada dia 23 de fevereiro, o juiz Sergio Moro rebateu as críticas as prisões preventivas. “Embora as prisões cautelares decretadas no âmbito da Operação Lava Jato recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”, escreveu Moro.