A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um comunicado individual ao Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnur) em que informa o que considera serem violações ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos cometidos pelo juiz Sergio Moro e por procuradores da Lava Jato. Na quarta-feira (26), os advogados de Lula foram informados de que o Acnur aceitou analisar o caso. O futuro posicionamento do órgão internacional sobre o assunto pode ter repercussão política, mas, segundo juristas, dificilmente surtirá efeitos na esfera jurídica.
O Conselho deverá se posicionar sobre questionamentos apresentados pelos defensores de Lula e definidos como “arbitrariedades praticadas pelo Juiz Sergio Moro contra Lula, seus familiares, colaboradores e advogados”. Entre os atos questionados, está a condução coercitiva em março deste ano, quando Lula foi levado para prestar esclarecimentos. Outro procedimento atacado é o vazamento de ligações interceptadas.
Em nota, a defesa cita alguns direitos assegurados pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e que teriam sido desrespeitados: “proteção contra prisão ou detenção arbitrária (Artigo 9º); direito de ser presumido inocente até que se prove a culpa na forma da lei (Artigo 14); proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais na privacidade, família, lar ou correspondência e contra ofensas ilegais à honra e à reputação (Artigo 17); e direito a um tribunal independente e imparcial (Artigo 14)”.
O Acnur deu ao governo brasileiro dois meses para se pronunciar sobre o caso e apresentar informações que considerar relevantes.
Repercussão
O professor de direito penal internacional do Unicuritiba José Carlos Portella Jr. explica que o comissariado não é um órgão judicial e que, mesmo que se posicione de maneira favorável ao ex-presidente, não tem como impor o cumprimento de seu parecer. “Terá mais natureza de recomendação, do que de decisão”, explica Portella.
Para Egon Bockmann Moreira, professor de Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná, um posicionamento da ONU sobre o assunto não tem “nenhum efeito prático”. Para ele, a iniciativa da defesa de Lula denota “certa desesperança em ver tais pleitos acolhidos no Brasil, de quem não acredita na validação da própria defesa do sistema judicial brasileiro”.
“Essa comissão não tem competência para examinar uma questão em que a nossa mais alta corte já, em reiterados julgamentos, deixou claro que não há nenhuma violação dos direitos constitucionais assegurados nos processos conduzidos na operação Lava Jato, tanto nos que envolvem o ex-presidente como em outros processos”, avalia Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP).
Na opinião de Maristela, para buscarem uma intermediação internacional efetiva, os advogados de Lula deveria procurar a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Impacto político
Mas, na opinião de Portella, “não significa que Estado não tenha que cumprir” eventuais recomendações do Acnur. O professor explica que o Pacto de Direitos Civis e Políticos é considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como lei de status infraconstitucional, mas que está acima das demais leis. Ou seja, na interpretação dele, caberia ao Estado aplicar um direcionamento internacional a respeito dessa norma.
O professor de direito internacional considera que a não aplicação de uma orientação do Acnur pode trazer problemas de cunho político na ONU. O Alto Comissariado poderia incluir observações em seu relatório anual e o Brasil acabaria figurando como violador de direitos humanos, de acordo com a interpretação deles. “Passa uma visão de que o Estado não é democrático”, explica. Portella observa ainda que, caso haja uma sanção de cunho moral, as pretensões do Brasil de maior protagonismo nas Nações Unidas poderiam ficar comprometidas.
Moreira duvida que ocorram consequências práticas mesmo no meio internacional: “Não vai ter nenhuma restrição ao governo brasileiro ou à participação do Brasil”.
Aplicação
O professor do Unicuritiba explica que no caso do Judiciário, a iniciativa de se adequar à orientação do organismo internacional é mais subjetiva. Se o juiz Sergio Moro fosse considerado suspeito pelo comissariado da ONU, caberia a ele mesmo declarar sua suspeição. Se o magistrado não o fizesse, então a defesa poderia recorrer ao segundo grau e aos tribunais superiores.
Quando se trata do Poder Executivo, a aplicação é mais fácil, pois em um caso de desrespeito às normas do sistema prisional, por exemplo, em que caberia ao sistema penitenciário ser acionado para agir e cumprir as orientações.
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