No ensaio Mulheres e Ficção, de 1929, Virginia Woolf denuncia que a escrita das mulheres foi por séculos proibida (até aproximadamente o século XVIII) ou relegada a ser um romance descritivo daquilo que as mulheres estavam autorizadas a “vivenciar” em uma sala de visitas da classe média através de um narrativa puramente emocional. Não se permitia que as elas fossem poetas, historiadoras ou desenvolvessem uma escrita técnica, crítica e impessoal.
Prossegue a escritora “uma frase feita por homens; muito pesada, muito descosida, muito pomposa para uma mulher usar... (a) mulher deve fazer por si mesma, alterando e adaptando a frase corrente até escrever alguma que tome a forma natural de seu pensamento, sem esmagá-lo nem distorcê-lo”.
Mulheres e Ficção é uma ode à independência e empoderamento feminino, para que cada mulher possa exercer a sua (qualquer) profissão de acordo com seus valores, técnicas e sem comparativos masculinos.
Em pleno Século XXI, ainda podemos parafrasear Woolf em muitas situações cotidianas de desigualdade da mulher. Aqui me limito a uma (deixando propositadamente de fora a questão mais séria de violência de gênero para ser exposta por pessoas mais capacitadas): a ausência de diversidade de gênero nos conselhos de administração de empresas e, em geral, nos cargos de lideranças das estruturas empresariais.
Sobram dados para comprovar que a presença de mulheres em cargo de liderança reflete positivamente no desempenho financeiro das empresas. Seriam as mulheres melhores gestoras que os homens? É evidente que não. A qualificação técnica e a obtenção de bons resultados independe do gênero, mas já foi confirmado que a diversidade faz grande diferença. Isso porque, como dizia Virginia Woolf, as mulheres possuem habilidades, valores e percepções próprias que são agregadas ao meio empresarial na solução de dilemas, na compreensão do mercado de consumo e nos modelos de gestão.
O estudo desenvolvido pela McKinsey&Company, em 2015, evidencia que a representatividade feminina nas funções mais elevadas das empresas latino americanas permanece muito baixa (8%) e que esta situação não será revertida de forma automática, porque decorre de uma cultura machista que não quer lidar com os demais papeis assumidos pela mulher na sociedade e nos núcleos familiares, assim como impõe padrões mais severos na avaliação das mulheres para fins de seleção e promoção de cargos. Inobstante, segundo a pesquisa, existe número suficiente de mulheres capacitadas para assumir os referidos cargos (“Women Matter: A Latin American Perspective”).
Por sua vez, a consultoria Egon Zegnder expõe que a questão da diversidade ainda é um tema secundário no meio empresarial. As empresas reconhecem os resultados positivos decorrentes da presença feminina, mas não tratam a igualdade de gênero na cúpula empresarial como uma prioridade. O estudo também aponta que se a América Latina continuar endereçando este assunto no ritmo atual alcançará a meta mundial – 30% de mulheres nos cargos de gestão empresarial – apenas em 2042 (enquanto a Europa atingirá esta meta em 2018 e os Estados Unidos em 2021). Uma das sugestões trazidas na pesquisa é de reexaminar os critérios de seleção de membros, levando em conta a diversidade de opiniões e aptidões – entre homens e mulheres – como fator positivo (2016 Egon Zegnder Latin American Board Diversity Analysis).
Por fim, vale mencionar que um dos braços da organização Globe Women (Corporate Women Directors International) corrobora os dados, destacando que em uma década – entre 2004 e 2014 – a representatividade das mulheres nos conselhos de administração aumentou 7,4% se considerarmos uma estatística global e somente 1,3% na América Latina.
A solução para este cenário envolve múltiplos fatores, desde a inclusão de política de gênero nos códigos de governança até a definição de quotas, para, como disse a ensaísta, “no futuro, desde que haja tempo e livros e um pequeno espaço para a mulher na casa, a literatura se tornará para elas, como para os homens, uma arte a ser estudada. O dom das mulheres será treinado e fortalecido. O romance deixará de ser o lugar onde as emoções pessoais são despejadas para se tornar, mais do que hoje, uma obra de arte como qualquer outra, com seus recursos e limitações explorados”... Vaticinamos o mesmo para o meio empresarial, desde que haja espaço para elas!
Sabrina Maria Fadel Becue, advogada, mestre e doutoranda em Direito Empresarial na USP.