O compositor Chico Buarque aborda o tema da separação em sua música, “A Rita”, onde a protagonista da relação foi embora e “nem herança deixou”. De fato, se Rita e Chico tivessem se divorciado pelo Regime da Separação Convencional de Bens nada seria partilhado entre os cônjuges. Este entendimento estendia-se também no caso de sobrevir a morte de um deles. Por exemplo, se um dos cônjuges tivesse falecido, o outro nada receberia a título de herança, conforme se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido no ano de 2009. No entanto, recente decisão do STJ a respeito do reconhecimento do cônjuge viúvo como herdeiro necessário dos bens particulares do falecido, reabriu o debate e renovou o entendimento da Corte sobre o tema.
Importante destacar que muito se confunde a partilha de bens decorrente do divórcio com a partilha de bens causa mortis. O casal, ao optar pelo Regime da Separação Convencional de Bens, por vezes erroneamente chamado de Separação Total, imagina que seus bens não serão objeto de disputa um do outro. Da mesma forma, os que optaram pelo Regime da Comunhão Parcial não acreditam que seus bens particulares (adquiridos antes da união) serão herdados pelo cônjuge sobrevivente. Este pensamento está correto quando se trata de divórcio: tais bens não se comunicam. No entanto, se a morte atingir um dos cônjuges enquanto a união entre eles ainda existir, a situação muda. O cônjuge viúvo recebe parte da herança, pois se torna herdeiro necessário, concorrendo em igual proporção com os demais herdeiros. Por exemplo, se o cônjuge falecido deixou a esposa e dois filhos, a herança será dividida à razão de um terço para cada um.
À primeira vista, parece incoerente tal decisão, pois, se o casal optou pela separação de bens, qual o motivo de incluir o cônjuge sobrevivente na divisão da herança do cônjuge falecido? No caso do Regime de Comunhão Parcial de Bens, não parece haver sentido em partilhar os bens particulares do falecido com o cônjuge viúvo. Todavia, a intenção do STJ na recente decisão é a de amparar o cônjuge sobrevivente com o benefício da partilha dos bens que, em outro entendimento, nada teria a receber. Assim, restaria protegido o cônjuge viúvo que viu seu casamento encerrar, não por vontade das partes, mas pela desventura do evento da morte de seu parceiro. Não fosse isto, os cônjuges ainda estariam gozando da vida a dois, sendo, assim, justo que ao cônjuge viúvo seja resguardada uma parcela dos bens, ainda que seu regime seja o da separação convencional ou, ainda, que sejam bens particulares do falecido, no caso do regime de comunhão parcial.
A título de ilustração, trazemos o próprio caso julgado recentemente pelo STJ: a filha única do falecido, casado pelo Regime de Separação Convencional de Bens, bateu às portas do STJ para argumentar que a viúva de seu pai não deveria figurar como herdeira necessária na partilha dos bens. A filha alega que o regime de bens deve ser mantido, obrigando as partes na vida e na morte.
Mas a decisão do STJ delibera no sentido da proteção do cônjuge sobrevivente, assegurando a este uma parcela dos bens do falecido, pois a morte arrebatou a intenção de plena comunhão de vida entre os cônjuges, situação diversa se um deles, ou ambos, tivessem manifestado o desejo de se separar em vida. O voto vencedor do STJ determina que o cônjuge sobrevivente, casado no regime de Separação Convencional de Bens ou no Regime de Comunhão Parcial, se torna herdeiro necessário, concorrendo em igual proporção com os demais. No primeiro caso, concorre na totalidade dos bens e, no último, na parcela dos bens particulares.
Já vínhamos nos posicionando no mesmo sentido da atual decisão do STJ, por entender que a partir do Código Civil de 2002 o legislador trouxe expressamente tal previsão. De outro lado, também temos destacado que o Planejamento Sucessório nos oferece diversas ferramentas que podem flexibilizar essa disposição legal, notadamente pela possibilidade de se definir antecipadamente o destino dos bens, seja através de disposição testamentária, partilha em vida ou doação.
*Nereu Domingues, advogado, sócio fundador do escritório DMGSA - Domingues Sociedade de Advogados, especialista na assessoria de famílias empresárias, nas áreas do direito societário, tributário, família e sucessões. Contato: nereu@dmgsa.com.br
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