A Lei da Anistia completa nesta sexta-feira (28) 30 anos e ao longo do tempo perdeu parte da força conciliatória que teve em 1979, quando o presidente João Figueiredo apoiou a proposta de anistia aos exilados e presos políticos pela ditadura militar.
Hoje, a lei pauta divergências entre ministros do governo Lula, militares, representantes da área de direitos humanos e é alvo de uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Supremo Tribunal Federal, que questiona a extensão da anistia aos torturadores do regime militar.
A polêmica não parece próxima de um final. Mesmo que o STF analise a questão ainda neste ano, não há expectativa, na avaliação do ministro da Justiça, Tarso Genro, de que haja uma pacificação de ânimos.
"Eu acho que o que pode reabrir feridas é a interpretação de que a Lei da Anistia atende os torturadores, porque essa é uma decisão que colocaria por terra todas as conquistas do direito humanitário, do direito contemporâneo. Eu acho que a manutenção dessa interpretação seria vergonhosa para o país em todos os fóruns internacionais", diz Tarso indicando o calor do debate.
Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, tem visão oposta. Ele não vê necessidade de mudança no entendimento jurídico sobre a extensão da lei e já afirmou que uma interpretação que puna os torturadores é "revanchismo".
"A lei da Anistia foi a forma política encontrada para a transição. O Brasil sempre foi país de transição de regimes. Você nunca teve uma ruptura. A Lei da Anistia teve importância de conseguir fazer a transição do regime militar para o regime civil. Era a condição estabelecida à época para uma transição gradual, progressiva, para a regra civil. E é uma lei que se esgotou. Esgotou-se no sentido de que cumpriu a sua finalidade. O anistiado está anistiado", argumentou por meio de texto enviado pela assessoria.
Jobim, que já presidiu o STF, vai além e diz que uma revisão na interpretação ou até a revogação da Lei da Anistia não teria efeito. "Se você inventasse de revogar a Lei da Anistia, a revogação não teria efeito retroativo."
Tarso discorda dessa avaliação. Questionado se ao defender a restrição da lei parte do governo não está buscando na prática uma revanche contra os militares, ele nega. "Na prática o que se faz é justiça. E isso tem várias formas de fazer. Porque as pessoas temem que isso ocorra? Ordinariamente, lideranças civis se manifestam sobre isso. Por uma razão muito simples. O regime militar teve uma sustentação quase que integral nas nossas Forças Armadas, mas ele foi gerido na ampla maioria das instâncias dos três poderes por civis", argumenta.
O ministro faz questão de deixar claro que com essa avaliação não está tentando gerar "expectativa de que pessoas irão para a cadeia e de que os políticos que comandaram a ditadura na época devam sentar no banco dos réus". "O que se quer é apurar responsabilidade objetiva de quem torturou, porque quem torturou o fez inclusive à margem da legalidade da própria ditadura. O que não se pode aceitar é que se diga que os torturadores são criminosos políticos", explica.
No STF
A expectativa no STF é que ação da OAB seja analisada até o final deste ano. Contudo, o ministro Eros Grau, relator do processo, não deu nenhuma previsão e ainda aguarda um parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) para começar a escrever seu relatório.
A Advocacia Geral da União (AGU), órgão que defende o ponto de vista do governo nos processos judiciais, já enviou seu entendimento para Grau em fevereiro deste ano. No documento, a AGU pede a rejeição da ação proposta pela OAB.
No parecer, a AGU argumenta que a lei aprovada em 22 de agosto de 1979 teve caráter amplo geral e irrestrito. Além disso, a defesa do governo diz que a própria entidade dos advogados emitiu um parecer em agosto de 79 concordando com os termos da Lei da Anistia.
História
Em 1979, após muita pressão da sociedade, o governo resolveu enviar em junho uma proposta ao Congresso Nacional que criava a anistia aos presos e exilados políticos pelo regime militar. À época, o Brasil ainda vivia sob o bipartidarismo, de um lado a Arena (partido do governo) e do outro o MDB (partido de oposição).
Os presos políticos ficaram 32 dias em greve de fome até a aprovação da Lei de Anistia pelo Congresso no dia 22 de agosto de 1979. Naquele dia, os parlamentares tentaram aprovar uma emenda ao projeto original que tornava a anistia total e irrestrita, inclusive para praticantes de crimes de seqüestro, o que a Arena não aceitou. Esse foi um elemento de conciliação na época, que acabou gerando discórdia nos anos seguintes, porque o texto da lei é genérico e dá margem para interpretações sobre a amplitude da anistia.
À época, a sanção da Lei da Anistia, em 28 de agosto, resultou na libertação imediata de 17 presos políticos. Outros 35 permaneceram à espera de julgamentos pelo Supremo Tribunal Militar (STM).