O escândalo envolvendo a autorização para construção do edifício La Vue em uma área protegida pelo patrimônio histórico em Salvador, que causou a demissão do então ministro Geddel Vieira Lima na sexta, é uma amostra de como o setor imobiliário tem atuado na capital baiana na última década. A partir de entrevistas com arquitetos e urbanistas, a reportagem identificou pelo menos outros cinco empreendimentos recentes que foram liberados pelas autoridades embora tenham tido irregularidades denunciadas por órgãos técnicos ou investigadas pelo Ministério Público.
O tombamento de dezenas de imóveis, a proibição de construção de prédios altos próximo à orla para preservar a paisagem da Baía de Todos os Santos, e o bloqueio de uma série de áreas para proteção ambiental tentam manter Salvador o mais preservado possível. A partir de 2006, porém, novos espigões começaram a surgir, acompanhados de polêmicas em seus processos de autorização nos órgãos governamentais do patrimônio e do meio ambiente.
Consultor do Planalto admite que recebeu recurso para liberar obra do prédio de Geddel
Leia a matéria completaEm 2007, a construtora Liwil demoliu uma mansão que estava dentro de uma área em processo de tombamento da Igreja Nossa Senhora da Vitória, construída no século 16, para construir um prédio de 35 andares. A demolição aconteceu numa tarde de domingo, dois dias após o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) entrar com um pedido para que a construtora esperasse um posicionamento do órgão antes de continuar a obra. A construção seguiu, e o espigão, localizado numa encosta, chama a atenção por destoar da paisagem com seu tamanho.
O condomínio de luxo Cloc Marina Residence, por exemplo, foi autorizado pela superintendência do Iphan da Bahia em 2009, embora tivesse um parecer contrário de técnicos do órgão, que não aprovaram o tamanho das seis torres. Para alguns arquitetos, o imóvel fere a paisagem que se tem a partir da praia, pois ele foi construído bem na fenda entre a cidade baixa e a cidade alta.
Responsável pela construção, a Cosplan doou R$ 30 mil para campanha de Geddel a senador em 2014, quando o ex-ministro não foi eleito.
O caso do Cloc é semelhante ao do La Vue. Segundo a arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, houve mudança na atuação do Iphan da Bahia desde que Carlos Amorim assumiu a superintendência, tendo Bruno Tavares como coordenador. Tavares foi o responsável por fazer um laudo que contrariava os técnicos tanto no caso do Cloc como do La Vue.
“Foram evidentes as mudanças na atuação do Iphan da Bahia desde 2008. Foi uma gestão que, em diversos casos, parecia estar mais preocupada em defender interesses do capital imobiliário do que cumprir a sua missão de proteger o patrimônio arquitetônico e urbanístico”, afirma Silvana.
Responsável por construir o La Vue, a Cosbat tem outros três empreendimentos polêmicos em Salvador. Moradores do bairro Rio Vermelho acusaram a empresa de avançar sobre a praia com o Terrazzo Rio Vermelho, em 2007. Dois anos depois, a polêmica foi sobre a construção de um arranha-céu na área de entorno da residência oficial do governo, o Encosta de Ondina. Por fim, há um processo que avalia se a construtora adulterou o tamanho da fachada ao entregar o projeto para poder construir três andares a mais do que o permitido no Costa España, empreendimento que foi citado por Geddel em uma conversa com o dono da OAS Leo Pinheiro interceptada pelos investigadores da Operação Lava Jato.
“Salvador é uma cidade histórica, e temos que pensar que tipo de crescimento queremos para ela. As leis de patrimônio não são para impedir os prédios, mas para que eles sejam construídos dentro de parâmetros, para não atrapalhar a paisagem que já existe”, diz a presidente do Instituto dos Arquitetos da Bahia (IAB-BA), Solange Araújo.
Além da construção dos espigões, também causou polêmica em Salvador recentemente a autorização dada pelo Iphan para a demolição de casarões do centro histórico da cidade. Cerca de 30 imóveis foram derrubados pela prefeitura depois de serem danificados pela chuva, ano passado. A arquiteta Silvana questiona o parecer do então coordenador técnico do Iphan na Bahia, Bruno Tavares, autorizando as demolições, e diz que o parecer sobre os casarões da Ladeira da Montanha foi dado um dia após as demolições terem acontecido.
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