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Na Argentina, as “Mães da Praça de Maio” saem às ruas levando imagens dos rostos de desaparecidos políticos: pressão resultou em julgamentos | Alejando Pagni/AFP
Na Argentina, as “Mães da Praça de Maio” saem às ruas levando imagens dos rostos de desaparecidos políticos: pressão resultou em julgamentos| Foto: Alejando Pagni/AFP

Outro lado

Militares querem investigação ampla e total

Os militares não são contra a Comissão da Verdade nem contra o esclarecimento de fatos ocorridos durante os anos da ditatura (1964-1985). Quem afirma é o general da reserva Gilberto Figueiredo, presidente do Clube Militar, espécie de porta-voz do Exército. "Sou a favor de que se esclareça tudo. Mas que seja um esclarecimento total e não parcial, direcionado por pessoas que buscam um determinado fato", afirmou. Segundo o general, durante a ditadura houve crimes "de um lado e de outro". "Houve atos de terrorismo, que resultaram na morte de inocentes. Todos os fatos precisam ser analisados, acho que ninguém é contra isso."

Figueiredo é contra a revisão da Lei da Anistia. "Mas, caso o Supremo decida o contrário, vamos respeitar. Só que não adianta ficar discutindo o assunto agora. Isso só gera polêmica. O tema está no Supremo, e devemos aguardar", opina o general. Para ele, cada país encontrou uma forma de tratar do passado. "Nossa Constituição abrigou e ampliou a Lei da Anistia. É algo bem consolidado e que já produziu seus efeitos. Há pessoas que cometeram atos terroristas e que fazem parte do governo federal. No entanto, ninguém nem pensa em tirá-los de lá. Portanto, não vejo benefício nenhum para a sociedade com uma revisão da lei." (RF)

As alterações feitas no texto que cria a Comissão da Verdade – que examinará as violações de direitos humanos cometidas no Brasil entre 1946 e 1988 – mostram que o autoritarismo ainda é muito forte no país e que a ditadura militar continua sendo um tabu. Em relação aos países vizinhos, o Brasil está muito atrasado na discussão sobre o assunto.

Na quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que modificou algumas palavras da diretriz 23 do terceiro Programa Nacional de Di­­­reitos Humanos (PNDH-3), que trata do reconhecimento da me­­­mória e da verdade. Sucumbindo à pressão dos militares, Lula eliminou o termo "repressão política" do texto. Com isso, o foco da comissão não fica restrito aos integrantes das Forças Armadas.

"É impressionante que hoje, tantos anos após o fim da ditadura, seja preciso escolher as palavras para descrever o que aconteceu", diz a cientista política Glenda Mezarobba, especialista em justiça de transição.

Para ela, ainda é cedo para avaliar se a eliminação dos termos poderá dificultar a análise dos abusos cometidos por militares. Na opinião de Glenda, os chefes das Forças Armadas que não gostaram do decreto deveriam mesmo pedir demissão. "Deviam sair, pois eles não estão em consonância com um processo democrático."

Paulo César Carbonari, conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), também vê autoritarismo na atitude dos chefes militares. "Isso mostra a dificuldade que têm em falar do assunto. Mas, finalmente, o Brasil terá um espaço público onde será possível jogar um pouco de luz sobre a sombra que foi a ditadura."

Para a professora Nair Bicalho, co­­or­­denadora do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da Universidade de Brasília (UnB), a modificação no PNDH-3 foi "uma boa saída." Por outro lado, o coordenador do MNDH no Paraná, Luiz Antonio Tannous, afirma que a mudança pode abrir brechas para a impunidade.

Exemplo

De acordo com o relatório mais recente da Anistia Internacional, o Brasil é um dos poucos países latino-americanos que ainda não "fechou as feridas" abertas pelos abusos do passado. O documento ressalta como avanços no continente a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori e as ações para combate a impunidade dos períodos ditatoriais adotadas na Argentina, na Bolívia, no Chile, na Colômbia e no Uruguai.

No segundo semestre de 2009, tiveram início pelo menos quatro julgamentos contra militares acusados de violar os direitos humanos na Argentina. Um ex-general e um coronel foram condenados à prisão perpétua.

Segundo os especialistas, há vários fatores que explicam por que o Brasil não avançou tanto na discussão sobre a ditadura quanto outros países. "Na Argentina, houve cerca de 30 mil mortos ou desaparecidos. Além disso, os militares estavam desmoralizados por causa da Guerra das Malvinas. Quando terminou o regime, eles estavam sem legitimidade", conta Nair Bicalho.

No Brasil, o número de mortos e desaparecidos durante a ditadura é estimado em torno de 500. "O número não importa, pois qualquer violação de direitos humanos deve ser combatida. Mas na Argentina houve um movimento importante, pelo grande número de mães e avós que estavam atrás de seus filhos e netos."

As eleições presidenciais que ocorreram logo após o fim das ditaduras na Argentina e no Chile também foram fundamentais para que o assunto fosse debatido cedo, explica a cientista política Glenda Mezarobba. "Os candidatos foram obrigados a se posicionar. No Brasil, a eleição foi indireta. E o pior, Tancredo Neves, que era um progressista, morreu e quem assumiu foi o vice José Sarney, que era muito ligado aos militares."

Outra diferença foi a forma com que foram aprovadas as leis de anistia de cada um dos países. Na Argentina e no Chile, os parlamentares não atuaram durante a ditadura, e por isso as leis foram impostas pelos ditadores. No Brasil, a lei foi aprovada pelo Congresso, que estava funcionando. "A sociedade estava lutando pela anistia, mas não exatamente aquela que foi aprovada", diz Glenda.

Decisão no Supremo

A Comissão de Verdade que será criada no Brasil não tem poder de revogar a Lei de Anistia (1979) nem de fazer julgamentos. Mas o perdão concedido a quem cometeu crimes políticos e similares entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 pode ser revogado, dependendo do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. Em 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou uma ação no STF, para que declare que a anistia concedida a autores de crimes políticos e conexos não deve ser estendida aos crimes comuns praticados por agentes de Estado.

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