O novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, votou nesta quarta-feira (23) contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições do ano passado. A norma, que barra a candidatura de políticos condenados por decisões de colegiados, entrou em vigor em junho de 2010.
Para Fux, apesar da intenção de moralizar a política, a ficha limpa interferiu no processo eleitoral e gerou insegurança jurídica. Em seu voto, o ministro defendeu a aplicação do artigo 16 da Constituição. Segundo essa norma, uma lei que modifica o processo eleitoral só pode valer no ano seguinte de sua entrada em vigor.
"No ano em que a lei entra em vigor não pode ela alterar qualquer fase do processo eleitoral. Além de ter afrontado a cláusula da anterioridade, feriu também de morte a garantia da segurança jurídica, inerente ao estado de direito. Surpresa e segurança jurídica não combinam", disse o ministro.
Nas duas vezes em que o plenário da Corte analisou processos contra a ficha limpa houve empate, em 5 votos a 5. O motivo dos julgamentos inconclusivos foi a ausência de um integrante da Corte, depois da aposentadoria do ministro Eros Grau, em agosto de 2010.
Com a posse de Fux, houve grande expectativa em relação ao seu voto, que deve decidir a posição do Supremo sobre a lei. Caso os outros integrantes do STF mantenham os votos dos julgamentos anteriores, a lei só poderá ser aplicada nas eleições de 2012.
O STF julga nesta quarta-feira (23) um recurso do ex-secretário municipal de Uberlândia Leonídio Bouças (PMDB-MG), condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) por improbidade administrativa.
O advogado de Leonídio Bouças, Rodrigo Ribeiro Pereira, negou as acusações de improbidade administrativa. Com base na ficha limpa, Bouças teve o registro de candidato deputado estadual negado pela Justiça Eleitoral, no ano passado, e recorreu ao Supremo.
Defesa
O político foi acusado de utilizar a prefeitura de Urberlândia (MG) para promover a própria campanha a deputado estadual, em 2002, quando era secretário da prefeitura de Uberlândia (MG). O TJ-MG concluiu que houve enriquecimento ilícito e proveito patrimonial, com prejuízo ao erário e suspendeu os direitos políticos de Bouças por 6 anos e 8 meses.
O advogado Rodrigo Ribeiro Pereira afirmou que, no momento da publicação da lei, os políticos pré-candidatos já estavam negociando alianças e atuando conforme a lei permitia e que a nova legislação teria mudado as regras durante o processo eleitoral.
"O recorrente quer apenas ter o direito de que lei publicada três dias antes do prazo das convenções [partidárias] não se aplique no ano das eleições. Nada mais pleiteia o recorrente, senão a aplicação do artigo 16 da Constituição. [Caso isso não ocorra] abrirá um sério precedente para o futuro", afirmou o advogado.
De acordo com a defesa, a Lei da Ficha Limpa seria um "retrocesso" a mecanismos usados em "regimes de exceção", o que fere o estado democrático de direito. O advogado sustentou que a norma fere o princípio da inocência ao decretar a inelegibilidade antes do fim do processo de condenação do político.
"A mal denominada ficha limpa, a pretexto de preservar a moralidade, viola o mais sagrados valores consignados pelo constituinte. Não basta para legitimar a lei discursos moralizantes. A moral não é monopólio de quem defende a aplicação da lei", disse o advogado de Leonídio Bouças.
Julgamento
O relator do recurso contra a Lei da Ficha Limpa, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a norma não deveria ter sido aplicada às eleições do ano passado. Em seu voto, Mendes combateu o fato de a ficha limpa tornar inelegíveis os candidatos condenados em processos anteriores e ainda não terminados na Justiça. "O princípio da anterioridade é um princípio ético-jurídico fundamental: não mudar as regras do jogo com efeito retroativo", disse o relator.
Mendes também ponderou sobre o "clamor público" em torno da aplicação da lei, proposta por iniciativa popular. "Não raras vezes a Corte [STF] tem de defender o cidadão contra sua própria sanha. Diante de determinada quadra, se legitima até mesmo o fuzilamento, a pena de morte. É preciso ter cuidado com a valoração deste chamado 'sentimento popular'", continuou o relator.
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