Nunca antes na história deste país um ex-presidente foi depor à polícia sob condução coercitiva. Investigado sob suspeita de ter recebido propina do esquema de desvio de dinheiro da Petrobras, Luiz Inácio Lula da Silva acordou na sexta-feira (4), às seis da manhã, com a Polícia Federal na porta da sua casa, em São Bernardo do Campo.
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Depois de três horas de depoimento, Lula discursou contra a imprensa e o juiz Sergio Moro, prometeu mobilizar a militância e afirmou não temer nada. Mas o estrago já estava feito.
O mandado de condução coercitiva expedido por Moro mostrou que Lula não é o intocável imaginado pela militância petista. Ele pode sangrar. “Os ganhos em popularidade que fizeram Lula obter 80% de aprovação no final de seu segundo mandato como presidente se esvaíram com a crise econômica”, afirma o filósofo e professor da Unicamp Roberto Romano.
A queda de Lula como símbolo de um partido que sempre se apresentou como defensor da ética e contra a corrupção é paralela ao enfraquecimento do próprio PT. “O PT sempre foi o Lula. Quem está no PT deve ser subserviente ao Lula. Isso sempre inibiu o aparecimento de novas lideranças, de pessoas alternativas ao ex-presidente”, diz Romano.
Segundo o filósofo, o PT, ao chegar ao poder, sofreu uma “oligarquização”, deixando a militância de lado e sendo tomado por políticos profissionais. Um exemplo disso seria o fato de que o PT passou a ser conhecido pelos políticos que dominam regionalmente o partido. “Existe o PT do Jaques Wagner, do Tarso Genro, da Gleisi Hoffmann, dos Vianna. Isso já demonstra a oligarquização do partido”, afirma Romano. “Se tornou igual aos outros partidos.”
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Leia a matéria completaPara a cientista política e professora da Ufscar Maria do Socorro Souza Braga, se comprovadas as acusações contra o ex-presidente, as consequências dentro do partido serão mais divisões e rachas. “O PT perderá sua luz interna, já que a militância é atraída pelo simbolismo de Lula.”
Militância perdida
De acordo com informações divulgadas em 2015 pelo Tribunal Superior Eleitoral, o PT possui 1,5 milhão de filiados. Só fica atrás do PMDB, que possui 2,3 milhões. Mas entre 2014 e 2015, pela primeira vez, houve uma queda no número de filiados.
Lula depôs na Polícia Federal. E agora, o que vai acontecer?
Leia a matéria completa“Um reflexo do sequestro da militância por políticos profissionais”, diz Roberto Romano. “As candidaturas de Dilma Rousseff e Fernando Haddad foram impostas, em uma fantasia de consulta às bases.”
Para Maria do Socorro, é reflexo das transformações pelas quais passam todos os partidos de esquerda que chegam ao poder, em qualquer lugar do mundo. “O mesmo aconteceu na Inglaterra e em outros países”, afirma.
Maria Aparecida de Aquino, professora do Departamento de História da USP, considera o desgaste do exercício do poder natural. “Uma coisa é o PT em construção e outra é no poder.”
A transformação evidente foi potencializada pelo marketing político, de acordo com Roberto Romano. “A Carta ao Povo Brasileiro com a qual o PT acenou ao mercado antes das eleições de 2002 é uma obra de propaganda. Não é por acaso que tanto Duda Mendonça quanto João Santana acabaram enredados na corrupção.”
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