A idéia é tentadora: conseguir um corpo cheio de curvas com aplicações de um silicone líquido encontrado em qualquer supermercado, a preços bem acessíveis. Seria perfeito, se o produto conhecido como silicone industrial ou líquido, geralmente usado para impermeabilizar azulejos, limpar peças de avião, pneus e lustrar painéis de carro, não fizesse mal à saúde e as seqüelas de sua aplicação não fossem tão dolorosas.
Complicações decorrentes da aplicação desse material foram a causa da morte de uma dançarina em Juiz de Fora (MG) no dia 2 de junho. Um travesti, que também injetou o silicone no corpo, continua no hospital municipal da cidade desde o dia 21 de maio, onde foi submetido a várias operações para tentar remover o produto.
A aplicação de silicone industrial no corpo pode causar infecções, necroses de pele e músculo, além de obstruir vasos sanguíneos e levar à morte. De acordo com o diretor geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o médico Douglas Jorge, a remoção do produto é muito complicada. "Como o silicone é líquido e não é envolvido por uma membrana resistente, ele se espalha pelo corpo. Para remover, é preciso tirar partes do tecido muscular e fica um defeito enorme", explicou o médico. "O processo de cicatrização é longo. Dependendo da área, é possível tirar com lipoaspiração, mas às vezes uma cirurgia mais radical é a única alternativa", afirmou.
A experiência dolorosa, vivida por um travesti de 55 anos, morador de Juiz de Fora, foi relatada em entrevista ao G1. Ele pede para ser identificado como Paula. No início da década de 1980, ele fez aplicações de silicone líquido no quadril e no joelho que não deram problema por alguns anos. "Em 1995, sofri um acidente de carro e o silicone que havia colocado no quadril empedrou. Em 1998, aquele que estava no joelho 'escorreu' e passei a sentir muitas dores", contou.
Paula passou por cirurgias para tirar o silicone, mas ainda tem problemas. "Tomava cortisona, mas me fazia muito mal. Até hoje, tenho que tomar antibióticos porque sinto muita dor", disse. "Colocar uma prótese de silicone não tem problema, mas o silicone líquido eu não aconselho a ninguém. Jamais faria de novo", afirma.
Cirurgião plástico do Hospital Universitário de Juiz de Fora, o médico Marilho Tadeu Dorneles acredita que a falta de informação e o baixo preço do silicone industrial são fatores que podem levar as pessoas a realizarem aplicações no corpo. "No corpo, sempre vai causar problemas. Não pode ser utilizado em hipótese nenhuma", explicou. Segundo ele, o material utilizado em cirurgias plásticas é diferente.
Problema antigo
Desde a década 70, o silicone industrial é muito utilizado, principalmente, por travestis, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. No entanto, os médicos estão surpresos com o número cada vez maior de mulheres que estão aplicando esse tipo de silicone.
O cirurgião plástico Marilho Dorneles disse que atualmente trata três mulheres que fizeram aplicações. "Duas aplicaram nos seios, o que provocou siliconoma (uma espécie de tumor causado pela reação do organismo ao produto). Outra utilizou o silicone na face. O produto escorreu e ela ficou com aparência deformada", disse.
O cirurgião plástico Douglas Jorge confirma que o problema é antigo. "Mesmo quando o silicone líquido foi usado na medicina, esse era um produto com fórmula diferente. Ele era utilizado em pequenas quantidades", disse.
O G1 entrou em contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e com o Ministério da Saúde, mas os órgãos não possuem estatísticas oficiais sobre o uso inadequado do silicone industrial.
Conselho
A orientação para quem aplicou silicone industrial no próprio corpo é uma só: procure um médico. "As pessoas só procuram o médico quando estão com problemas, com dores e deformidades. Somente um especialista vai conseguir avaliar a gravidade de cada caso. Se surgirem complicações, apenas o médico pode intervir", afirmou Douglas Jorge. "É preciso muito cuidado, pois cada caso é diferente", disse.
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