O juiz diz que o confisco dos bens é justificado porque o esquema criminoso organizado em torno do ex-presidente da Eletronuclear “gerou ganhos ilícitos às empreiteiras (Andrade Gutierrez e Engevix) e aos investigados| Foto: RICARDO MORAES/REUTERS

O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal do Paraná, decretou o bloqueio de até R$ 60 milhões que estiverem nas contas de Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, e de Flávio David Barra, funcionário da Andrade Gutierrez, presos nesta terça-feira pela 16.ª fase da Operação Lava Jato, e da Aratec Engenharia Consultoria & Representações Ltda, pertencente a Othon da Silva. Em cada uma das contas o bloqueio foi de R$ 20 milhões. O juiz diz que o confisco dos bens é justificado porque o esquema criminoso organizado em torno do ex-presidente da Eletronuclear “gerou ganhos ilícitos às empreiteiras (Andrade Gutierrez e Engevix) e aos investigados, justificando-se a medida de privá-los do produto de suas atividades criminosas”.

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Radioatividade pode chegar a políticos, diz PF

A Operação Radioatividade, que nesta terça-feira, 28, prendeu o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear, e o executivo Flávio David Barra, presidente global da Andrade Gutierrez Energia, pode chegar a políticos, segundo a Polícia Federal. O delegado da PF Igor Romário de Paula, no entanto, ressalta que o foco central da investigação, agora, são outros contratos da estatal relativos a obras da Usina Nuclear de Angra 3, no Rio.

“É possível que no avanço das investigações a gente chegue a isso (políticos), mas nesse momento estamos focados somente nas empresas e na administração da Eletronuclear”, declarou o delegado Igor, que integra a força-tarefa da Operação Lava Jato.

A suspeita de envolvimento de políticos com o esquema em Angra 3 surgiu na delação premiada do executivo Dalton dos Santos Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa, empreiteira que teria feito parte do cartel que se apossou de contratos bilionários da Petrobras - alvo das quinze etapas da Lava Jato que antecederam a Radioatividade.

Avancini afirmou que, durante reunião na sede da UTC Engenharia, em São Paulo, ocorrida em agosto de 2014, “foi comentado que havia certos compromissos do pagamento de propinas para o PMDB no montante de 1% e a dirigentes da Eletronuclear”.

As obras de Angra 3 foram reiniciadas em 2009 pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na época, o empreendimento estava orçado em R$ 7 bilhões. A previsão atual é que o custo total vai bater em R$ 15 bilhões. Deverá entrar em operação em 2018.

Em suas fases anteriores, a Lava Jato apontou pelo menos 52 políticos, entre deputados, senadores, governadores e ex-parlamentares que teriam sido beneficiários de valores ilícitos em contratos da Petrobras.

O delegado Igor Romário de Paula explicou, em entrevista à Rede Globo, que, por enquanto, as atenções da força-tarefa da Radioatividade estão voltadas para os processos de concorrência da Eletronuclear. “Essa fase (da Lava Jato) tem foco em duas licitações específicas na construção de Angra 3”, ressaltou. Segundo Igor Romário de Paula, o presidente licenciado na Eletronuclear “teve participação ativa” em todo o procedimento que levou à contratação do Consórcio Angramon (Obras Montagem de Angra 3).

A PF sustenta que o almirante teve envolvimento direto inclusive na fixação de parâmetros que permitiram direcionar os contratos às empresas do mesmo cartel que se instalou na Petrobras entre 2004 e 2014.

As buscas desta terça-feira, 28, não atingiram duas empreiteiras do esquema em Angra3 porque seus executivos principais fizeram delação premiada - Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, e Dalton Avancini e Eduardo Leite, da Camargo Corrêa.

A PF destaca que Flávio Barra, da Andrade Gutierrez Energia, também teve “participação ativa na orquestração de todo o cartel, de quem ficaria com cada uma das obras”.

“Era ele quem controlava, não só fazia o contato com os agentes da estatal, como era o responsável pelo pagamento das propinas”, declarou o delegado federal.

Igor Romário de Paula disse,ainda que a investigação também pode avançar em contratos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. “É possível, principalmente porque as empresas estão se repetindo e a forma de contratar é sempre a mesma. Naturalmente, a investigação em seu tempo vai chegar até lá.”

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Segundo despacho do juiz que determinou a prisão preventiva de Othon Luiz PInheiro da Silva e de Flávio David Barra, o ex-presidente da Eletronuclear recebeu em propinas, por meio de sua empresa de consultoria, a Aratec, R$ 4,5 milhões da Andrade Gutierrez e Engevix no período de 2009 a 2014. A OAS também pagou à Aratec R$ 504,2 mil entre 2007 a 2015. A UTC pagou R$ 101 mil, a Camargo Corrêa R$ 109,1 mil e a Techint outros R$ 161 mil.

Além dessas grandes empreiteiras, depositaram nas contas de Othon outras empresas de fachada usadas pelas construtoras para o repasse de propinas à Aratec. Essas empresas, que não tinham funcionários ou não tinham suporte para prestar qualquer tipo de serviço, repassaram um total de R$ 5,385 milhões em propinas para a Aratec, segundo Moro. No total, a Aratec de Othon recebeu R$ 9,8 milhões em propinas, segundo a Justiça do Paraná.

A CG Consultoria, Construções e Representação Comercial Eireli recebeu entre 2009 e 2012 um total de R$ 2,9 milhões da Andrade Gutierrez, mas transferiu R$ 2,699 milhões desse total para a Aratec entre 2009 e 2014. A JNobre Engenharia e Consultoria depositou R$ 792,5 mil na conta da Aratec entre 2012 e 2013, no período em que recebeu R$ 1,4 milhão da Andrade. A Deustchebras depositou R$ 252,3 mil para a Aratec. Já a Link Projetos e Participações depositou R$ 765 mil para a empresa de Othon.

Entre setembro de 2000 e fevereiro de 2015, Othon foi sócio com 99% de participação da Aratec, com sede em Barueri, na Grande São Paulo. O quadro social da empresa é composto também pelas duas filhas de Otoh, Ana Cristina da Silva Toniolo e Ana Luiza Barbosa da Silva Bolognani, que substituiu o pai a partir de 25 de fevereiro deste ano. Antes de 2012, a Aratec não tinha empregados registrados. De 2013 a 2014, tinha apenas um funcionário.

Nesse período em que recebeu as propinas, Othon ainda estava no cargo de presidente da Eletronuclear (ele só se licenciou no dia 29 de abril deste ano, depois de notícias da Lava Jato do seu envolvimento no esquema de corrupção na estatal que dirigia desde 2005).

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“A medida é menos gravosa aos investigados e propiciará, com a realização das diligências, que esclareçam os fatos e eventualmente infirmem as provas, em cognição sumária, de que a Andrade Gutierrez e outras empresas teriam repassado propina, indiretamente, a Othon Luiz mediante empresas intermediadoras e simulação de contratos de prestação de serviços”, disse Moro em seu despacho, acrescentando que há “prova relevante de crimes de fraude a licitações, corrupção e lavagem de dinheiro”.

De acordo com o juiz, além de participar do consórcio Agramon para a Construção de Angra 3, a Andrade Gutierrez “mantém relações antigas com a Eletronuclear em outros contratos”. Apenas em setembro de 2009, a Andrade e a Eletronuclear celebraram o aditamento de contrato de obras de construção civil de Angra 3 no valor de R$ 1,2 bilhão. Pela Eletronuclear assinou Othon Luiz, enquanto que pela Andrade Gutierrez assinou Clovis Renato Numa Peixoto Primo, que nesta terça-feira foi levado à Polícia Federal para prestar depoimento. Já a Engevix recebeu a Eletronuclear entre 2011 a 2013, a mando de Othon Luiz, um total de R$ 122,9 milhões.

“Do quadro probatório, concluiu-se pela presença de prova de que empreiteiras com contratos com a Eletronuclear, dirigida por Othon Luiz, efetuaram transferências milionárias, entre 2009 a 2015 na contra da Aratec Engenharia, de propriedade e controlada pelo próprio Othon Luiz”, escreve o juiz em seu despacho.

O juiz não vê como justificar os pagamentos à Aratec.

“Sob qualquer aspecto, parecer difícil justificar de forma lícita o recebimento pela Aratec Engenharia e, por conseguinte, por Otohn Luiz, de pagamentos milionários de empreiteiras que, ao mesmo tempo, mantinham contratos com a Eletronuclear, empresa estatal por ele dirigida. Mais ainda difícil de justificar a utilização para essas transferências de empresas intermediárias, algumas com características de serem de fachada”, disse Moro.

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Os nomes de Otoh Luiz e Flávio David Barra, presos na 16ª da Operação Lava Jato, foram delatados por Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa, que também participou do cartel montado para obter as obras de Angra 3. Avancini disse ao juiz em delação premiada que houve pagamentos de propinas a Othon até mesmo no segundo semestre do ano passado, quando as investigações da Lava Jato já haviam “se tornado notórias”. Para o juiz, há ainda “fundada suspeita de que o esquema criminosa vai muito além da Petrobras e Eletronuclear. “O mesmo Dalton Avancini também revelou acordos de pagamentos de propina envolvendo a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e a Odebrecht nos contratos de construção da Hidrelétrica de Belo Monte”.

Segundo o juiz, “há, portanto, vários elementos probatórios que apontam para um quadro de corrupção sistêmica, nos quais ajustes fraudulentos para obtenção de contratos públicos e o pagamento de propinas a agentes públicos, bem como o recebimento delas por estes, passaram a ser pagas como rotina e encaradas pelos participantes como a regra do jogo, algo natural e não anormal”.