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Procuradores do Ministério Público Federal em São Paulo realizaram nesta quarta-feira (6) uma reunião com dois especialistas americanos para determinar a viabilidade do acesso a documentos sigilosos do governo americano sobre o regime militar brasileiro.

"A partir dessa reunião, nós vamos estudar as providências que podem ser tomadas para a abertura dos arquivos", afirmou o procurador Marlon Alberto Weichert.

Um dos especialistas consultados, Peter Kornbluh - membro da ONG americana National Security Archives, que elabora petições para abertura de arquivos sigilosos nos EUA -, foi um dos responsáveis pela liberação de documentos americanos sobre as ditaduras cubana e chilena.

A outra especialista consultada pelo MPF, a pesquisadora Kathryn Sikkink, é professora de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota e autora de um trabalho em que afirma que países que não apuraram crimes cometidos durante seus regimes militares tendem a ter um nível maior de desrespeito aos direitos humanos atualmente.

Operação Condor

Kornbluh exibiu documentos que, segundo ele, mostrariam que o Brasil, ao contrário do que se imaginava, teve uma participação ativa como membro da Operação Condor - ação conjunta entre governos sul-americanos para desbaratar grupos esquerdistas durante a década de 70. De acordo com os documentos, em 1976 teria havido uma reunião em Santiago, no Chile, na qual o Brasil teria sido efetivado como membro integral dessa operação.

Até hoje acreditava-se que o Brasil teria sido um mero observador da Condor. "Para saber mais detalhes, teríamos que ter acesso aos documentos existentes no Brasil", diz o especialista americano.

O mesmo documento - um suposto relatório de uma unidade de inteligência do Departamento de Estado americano repassado para embaixadas do país - relata a existência de uma acordo entre os governos do Brasil e da Argentina para "caçar e e eliminar terroristas que tentam fugir da Argentina para o Brasil".

Outro arquivo - este, um suposto relato da embaixada americana de Buenos Aires com base em fontes dos serviços secretos do país vizinho - mostra que o serviço de inteligência argentino obteve permissão de sua contraparte brasileira para capturar em território nacional dois guerrilheiros "montoneros" que estavam em um avião que pousou no Rio de Janeiro, vindo do México. Após a captura, eles teriam sido levados para o campo secreto de prisioneiros da Argentina em Campo de Mayo.

Processo

Segundo Kornbluh, o processo de abertura dos arquivos do governo americano é "grande e difícil". "Algumas vezes, é preciso anos para se poder ter acesso a alguns papéis, dependendo do seu grau de sigilo", relata. Nos EUA, existem diversas categorias para classificação de documentos sigilosos. Apenas os de baixa classificação são automaticamente liberados após 25 anos.

No entanto, um decreto presidencial feito a partir de um pedido de autoridades pode acelerar o processo, segundo o especialista. Ele afirmou que mais de 24 mil documentos sobre o governo do general chileno Augusto Pinochet foram liberadas após um decreto do ex-presidente americano Bill Clinton. "É de fundamental importância que o Brasil tenha acesso a esses documentos. O país foi o primeiro grande regime militar a região, serviu de exemplo para militares dos demias países e foi um aliado dos EUA na luta contra a esquerda a América Latina", diz Kornbluh.

Nova interpretação

Os dois procuradores responsáveis pela reunião - Marlon Alberto Weichert e Eugênia Fávero – estão entre os autores da ação civil que pede a responsabilização civil de Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, ex-comandantes do Doi-Codi (órgão do Exército de repressão à oposição política durante a ditadura militar), por supostas torturas e mortes ocorridas na instituição.

Segundo os procuradores, seria o momento para uma "nova interpretação" da Lei de Anistia, que prevê a não-punição de envolvidos em crimes políticos. "A interpretação atual é uma aberração. Os crimes cometidos durante o regime militar precisam ser investigados para que se saiba se foram ou não crimes políticos. Da forma atual, ela é quase uma proibição para que se investigue os fatos", acredita Weichert.

Segundo Eugênia, o Ministério Público Federal busca o reconhecimento de que houve crimes contra a humanidade promovidos durante o regime militar. "A Lei de Anistia não prevê a anulação de crimes desse tipo", afirma. Segundo ela, de acordo com a interpretação internacional, crimes de lesa-humanidade não prescrevem, e portanto seriam possíveis de punição – mesmo após as quase três décadas transcorridas desde 1979, quando a legislação entrou em vigor.

Segundo os procuradores, o episódio do ex-ditador Pinochet – detido na Inglaterra a pedido de um juiz espanhol – deveria servir alerta para a Justiça do Brasil. "Deveríamos aprender com o caso Pinochet. A omissão da Justiça brasileira na interpretação da Lei de Anistia abre caminho para que brasileiros acusados de crimes contra a humanidade possam ser presos no exterior", conclui Weichert.

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