Dentro de um cenário político já complexo, o Congresso Nacional ainda pode ser obrigado a realizar eleições indiretas para a escolha de um novo presidente da República durante o ano de 2017, em substituição a Michel Temer (PMDB).
Para pessoas envolvidas no processo que tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e envolve a chapa de Temer nas eleições de 2014, o desfecho do caso deve ser conhecido no segundo semestre.
Se a Corte presidida pelo ministro Gilmar Mendes se posicionar a favor da cassação da chapa originalmente encabeçada por Dilma Rousseff (PT), a saída de Temer é o primeiro efeito prático da decisão.
Na sequência, caberá aos parlamentares em Brasília escolherem um novo comando para o Planalto, já que faltariam apenas menos de dois anos para o fim do mandato. Pela regra, se uma eventual cassação tivesse ocorrido entre 2015 e 2016, as eleições seriam diretas, ou seja, um novo presidente da República seria escolhido através do voto popular.
No TSE, somente a admissibilidade ou não do processo foi debatida ao longo de praticamente um ano. A investigação começou a andar de fato em 2016 e, em setembro do ano passado, foi assumida por Herman Benjamin. Ele entrou no lugar de Maria Thereza de Assis Moura, que, em fevereiro de 2015, havia se posicionado contra a abertura da investigação.
Na relatoria do caso, Benjamin tem autorizado frequentes diligências, mas prefere não fazer uma estimativa de quando o processo chegará ao fim.
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Leia a matéria completaO papel de Gilmar Mendes
Desde o início, cobranças por acelerar ou postergar o processo – a depender das circunstâncias políticas – marcaram o caso no TSE. E o próprio ministro Gilmar Mendes, em função da relação próxima que mantém com o presidente Temer, é frequentemente questionado sobre o ritmo do processo.
Na semana passada, em entrevista ao programa de televisão “Roberto D’Avila”, no canal GloboNews, o presidente do TSE tentou se defender: ele lembra, por exemplo, que foi ele quem, em 2015, abriu a divergência em relação ao voto da ministra Maria Thereza de Assis Moura, a favor do arquivamento.
“Esse processo do TSE, e as pessoas tendem a olvidar, só foi aberto graças à minha insistência. Porque a relatora, Maria Thereza, havia determinado o arquivamento. Se eu não tivesse pedido vista e aberto a divergência, muito provavelmente o processo teria sido arquivado”, disse o ministro.
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Leia a matéria completaNa época da divergência, o presidente Temer ainda era o vice. O impeachment de Dilma Rousseff somente se consolidou em agosto de 2016.
Na mesma entrevista, Gilmar Mendes afirma que a expectativa no TSE era concluir o processo ainda no primeiro semestre, mas acrescentou que se trata de um caso “complexo e inédito” e que, por isso, pode levar mais tempo.
“Ainda estamos na fase instrutória, de coleta de provas. E podem vir ainda novas provas, muito provavelmente. Então podemos até passar para o segundo semestre. Mas com certeza [o julgamento] deve ocorrer este ano”, ponderou ele.
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Leia a matéria completaRelação com Temer
A relação que Gilmar Mendes mantém com o presidente Temer, somada às declarações públicas do ministro com críticas às gestões petistas, tem gerado desconforto em Brasília. Recentemente, dois episódios chamaram a atenção.
No início de janeiro, o ministro “pegou carona” com o presidente Temer, em viagem a Portugal: “Não é preciso viajar para combinar coisa espúria”, defendeu-se. Já no final do mês, apareceu no Palácio do Jaburu, para um jantar com o presidente Temer fora da agenda oficial.
“Com o presidente Temer eu comento livros, trago livro para ele de Portugal, ele me recomenda textos e biografias. Conversamos sobre os mais diversos assuntos. As pessoas imaginam que podemos estar discutindo questões do julgamento no TSE, mas não faz sentido isso. E todos nós sabemos também os limites. Somos conhecidos já de muitos anos. Também convivi com o presidente Lula e com políticos de todas as colorações políticas”, justificou Gilmar Mendes, em entrevista à GloboNews, semana passada.
Questionado ainda sobre a fama de “ministro tucano”, Gilmar Mendes novamente contestou. “Um dos meus mais frequentes interlocutores hoje é o ministro Dias Toffoli, que [por ser ex-advogado do PT] sofreu um ataque brutal quando foi indicado e eu talvez tenha sido a voz mais forte que o defendeu, mais do que o partido a qual ele aparentemente poderia estar vinculado. A vida é muito complexa para a gente ficar colocando nessas gavetinhas, caixinhas”, completou o presidente do TSE.
O caso
O PSDB, autor do processo e hoje a principal legenda aliada da gestão do PMDB, aponta, entre outras coisas, que houve uso da máquina pública na campanha eleitoral do PT, e também o uso de recursos desviados da Petrobras, através de “doações oficiais” feitas por empreiteiras envolvidas na Lava Jato.
O PT nega as irregularidades e a defesa do presidente Temer tem repetido que, na condição de candidato a vice, não participou diretamente da administração dos recursos da campanha eleitoral da chapa.
As contas de Dilma e Temer chegaram a ser aprovadas pelo TSE, com ressalvas, em dezembro de 2014, mas o PSDB na sequência contestou o resultado, protocolando na Corte uma Ação de Investigação de Mandato Eletivo [AIME 761], duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral [AIJE 154781 e AIJE 194358] e uma representação [RP 846]. As quatro proposições agora tramitam em conjunto, como se fossem, na prática, um único processo.
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