Opinião
Rogerio Waldrigues Galindo, colunista de Vida Pública.
Ideal seria esperar volta de Pessuti
Um dos princípios básicos do funcionamento de uma boa democracia é a existência de poderes independentes. Isso serve para que uma só pessoa não possa fazer tudo, como acontecia no tempo dos reis absolutistas. No caso da confecção de uma nova lei, por exemplo, a Constituição manda, como regra, que um poder a redija e outro a sancione.
No entanto, por uma brecha prevista na própria lei, o deputado Nelson Justus poderá ser o responsável pela aprovação (como presidente da Assembleia) e pela sanção do mesmo projeto (como governador interino). Seria prudente o deputado recuar e deixar Orlando Pessuti sancionar a lei depois da viagem que fará.
Assim, Justus evitaria a suspeição de que a proposta foi aprovada às pressas, sem chance de a sociedade saber de onde veio o dinheiro, só por interesse dos deputados. Mas Justus já avisou que aproveitará a chance e completará a trajetória meteórica do projeto desde o seu nascimento até a sua sanção. Uma pena.
O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Nelson Justus (DEM), assume hoje um mandato de uma semana como governador do Paraná. Nesse período, o ato mais importante do parlamentar à frente do Palácio das Araucárias deve ser relacionado justamente ao Legislativo estadual. Nos próximos dias, chegará às mãos do governador para sanção o projeto de lei que autoriza a Assembleia a indenizar servidores por perdas salariais de 11,98% decorrentes da mudança da moeda em 1994, que passou da antiga Unidade Real de Valor (URV) para o real. A grande polêmica, porém, é que a proposta não é clara sobre como será feito o controle desses pagamentos para evitar que funcionários fantasmas ou laranjas sejam indenizados.Ignorando completamente a possibilidade aberta pelo projeto de servidores em situação irregular pleitearem o recebimento do dinheiro, os deputados aprovaram a matéria em tempo recorde apenas três dias. Na última segunda-feira, a proposta foi apresentada pelo deputado Jocelito Canto (PTB). No dia seguinte, obteve aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, ontem, foi aprovada por unanimidade em primeira e segunda discussão. Por fim, a redação final do projeto que correspondia à terceira e última discussão acabou dispensada, a pedido de Jocelito.
A pressa se explica pela enorme pressão feita pelos servidores da Assembleia sobre os deputados, que provocou, inclusive, uma greve no dia 18 de outubro. Ontem, com as galerias lotadas de funcionários vestindo camisas nas quais se lia "Compromisso assumido URV será paga!", vários parlamentares exaltaram a vitória dos servidores. Nenhum deles, porém, mencionou a possibilidade de fantasmas também serem indenizados.
Pelo projeto, cuja sanção caberá a Justus, os servidores terão três meses após a publicação da lei para apresentar três documentos pleiteando a indenização: um termo de acordo reconhecido em cartório; uma planilha de cálculo de quanto teria a receber; e um documento comprovando que foi servidor da Assembleia no período em questão. Na prática, portanto, a um funcionário fantasma bastaria apresentar sua nomeação publicada em Diário Oficial para requerer o pagamento da indenização.
O texto diz também que pedidos com "indícios de irregularidades" levarão a Comissão Executiva do Legislativo estadual a tomar "as providências legais cabíveis", nas esferas civil e criminal. Em nenhum momento, porém, o projeto estabelece como esse controle será feito. A matéria apenas atribui à procuradoria da Casa e à diretoria de pessoal a responsabilidade de avaliar os documentos apresentados pelos funcionários. Tanto a Assembleia quanto o Sindicato dos Servidores do Legislativo paranaense (Sindilegis), que elaboraram o projeto em parceria, garantem que servidores sob investigação interna ou judicial não serão pagos.
Decisão
Questionado sobre o assunto, Justus afirmou que, assim que a proposta chegar às suas mãos no Palácio das Araucárias, vai sancioná-la. Segundo o parlamentar, ele estará cumprindo uma decisão judicial que determinou o pagamento das perdas relativas à URV aos servidores da Casa há mais de um ano e respeitando a unanimidade obtida na votação no plenário da Assembleia. "As diretorias geral, financeira e de pessoal estarão muito atentas para que não se cometa nenhum tipo de deslize", afirmou, ressaltando a importância da exigência da divulgação do nome e da quantia recebida pelos servidores a partir da entrada em vigor da lei. A medida deve ser proposta por Jocelito Canto na semana que vem.
Ao ser indagado da possibilidade de servidores acusados de desvios graves, como o ex-diretor-geral Abib Miguel, o Bibinho, serem indenizados, Justus declarou que esses funcionários poderão recorrer à Justiça para pleitear o pagamento. "A lei é muito bem escrita para impedir o pagamento de quem não tem direito", argumentou. Bibinho está preso sob a acusação de ser o mentor do esquema que desviou pelo menos R$ 100 milhões da Assembleia, segundo o Ministério Público Estadual.
A estimativa do Sindilegis é que entre 1,5 mil e 1,7 mil funcionários da Assembleia, registrados na Casa entre 16 de junho de 2002 e 31 de dezembro de 2006, tenham direito a receber até R$ 60 milhões. Alguns cálculos, porém, elevam o valor para até R$ 74 milhões. Assim que o projeto for sancionado, a primeira parcela das indenizações será paga até o dia 17 de dezembro, no valor máximo de R$ 12 mil cada uma. O restante deverá ser pago obrigatoriamente nos próximos quatro anos.Governador
Justus fica interinamente no cargo até 9 de dezembro em razão do afastamento do governador Orlando Pessuti (PMDB), que vai participar da 16.ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-16). O evento está sendo realizado em Cancún, no México. Nesse período, a presidência do Legislativo paranaense ficará sob a responsabilidade do deputado Antonio Anibelli (PMDB), primeiro-vice-presidente da Casa.
A primeira passagem de Justus como chefe do Executivo estadual coincide com o final do seu conturbado terceiro mandato como presidente da Assembleia. Desde março, a Casa vive uma crise deflagrada pelas denúncias publicadas na série de reportagens Diários Secretos, produzida pela Gazeta do Povo e pela RPC TV.
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Interatividade
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