No balanço que fez dos primeiros três meses de trabalho da CPI que apura a rede de ilegalidades envolvendo um operador de jogatina, políticos, governantes e obras públicas, o presidente da comissão, senador Vital do Rêgo, ficou no feijão com arroz.
Negou a inegável influência do embate partidário, apresentou informações irrelevantes - como a quantidade de sessões realizadas, de pessoas ouvidas e testemunhas caladas -, mas deixou de falar sobre o papel que a comissão teve na divulgação de fatos que, sem a repercussão própria do foro político, hoje seriam de conhecimento exclusivo da política e da Justiça e provavelmente não teriam gerado consequência alguma.
Não havendo CPI seriam grandes as chances de Demóstenes Torres ser ainda senador, de Carlos Cachoeira ter saído da cadeia por meio de habeas corpus e de a construtora Delta ter sido vendida a um frigorífico com participação do BNDES.
Foi só quando se começou a falar em quebra dos sigilos da Delta que a J&F, controladora do frigorífico JBS, desistiu de comprar a empreiteira e o banco oficial recuou do negócio.
A necessidade de Cachoeira continuar preso também se impôs diante das evidências sobre a capacidade dele de obstruir as investigações.
Quem ainda estaria prestando atenção ao caso se a única matéria-prima fossem os inquéritos da Polícia Federal? Quantos senadores não poderiam ter se valido do voto secreto no plenário para absolver Demóstenes se não estivesse aberta uma tribuna permanente de reverberação política?
Por essas e várias outras, entre as quais uma venda de imóvel cuja conta não fecha envolvendo um governador de Estado, não é certo reduzir a CPI a palco de testemunhas silentes e picuinhas entre PT e PSDB embora estejam presentes na composição do cenário.
Descontadas as manobras de percurso, houve consequências importantes. Desvendaram-se algumas das razões pelas quais uma empreiteira sai do zero e em dez anos torna-se a 6.ª no ranking nacional, revelou-se como partidos se movimentam no jogo de proteções e condenações, além de se contar a maneira pela qual um ex-presidente da República tenta manipular um instrumento de fiscalização do Congresso para ações de vingança.
A primeira fase não foi, portanto, improdutiva. Agora em agosto inicia-se a segunda etapa, os três meses finais em que as coisas podem se complicar, justamente porque a CPI tende a ficar em segundo plano na vista do público o corretor de rumos mais eficiente , dividindo as atenções com o julgamento do mensalão e as campanhas eleitorais.
O cruzamento de dados prossegue no recesso e a troca de informações entre o Congresso, a polícia e a Justiça também.
Há fios que começam a ser puxados, mas a dúvida é se as injunções partidárias permitirão que sejam desenroladas as meadas até o fim. Dois deles ainda em fase de investigação: a associação de parlamentares com Carlos Cachoeira em negócios no exterior e os detalhes de uma casa num condomínio de luxo em Angra dos Reis (RJ).
Se confirmadas as suspeitas em torno das quais se movimenta a polícia, ao menos um candidato a prefeito de capital e um governador tomarão conta da cena, levando a CPI a caminhos ainda não navegados.
Caso não sejam consistentes, o roteiro combinado antes do recesso prossegue com a previsão da divulgação de um relatório parcial poucos dias antes da eleição de outubro, cujo conteúdo desenhará à sociedade um esboço da matriz criminosa de um sistema que, aplicado à Região Centro-Oeste, dá pistas sobre métodos adotados em todo o país.
A ideia de pôr o relatório parcial em votação pouco antes da eleição é obrigar os parlamentares a comparecerem. Pela mesma razão que a CPI na condição de foro político deu repercussão a fatos que provavelmente cairiam no vazio se mantidos na posse exclusiva da polícia e da Justiça: o saudável receio da opinião do público.
Assim ocorreu com o impeachment de Fernando Collor, votado em 29 de setembro do ano eleitoral de 1992.
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