Pense num país dos bons: daqueles com democracia madura, desenvolvimento galopante e raros casos de corrupção. Certo?
Talvez tenha lembrado da Suécia. Quiçá da Finlândia, do Canadá, da Alemanha, de repente até dos Estados Unidos. Ainda que seja outro, você sabe que o tal país tem altos índices de educação, além de serviços públicos invejáveis, mas é provável que não saiba o seguinte: ele tem a transparência tão arraigada à sua cultura que, se um governante investir errado, a gritaria será imediata.
“Quando as informações do governo estão disponíveis, e as pessoas podem acessá-las inclusive para criticar a gestão, as políticas públicas são melhores”, garante o especialista em administração pública Fabiano Angélico, autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático”. “Tanto é que os países com melhores indicadores de desenvolvimento humano, apontados também como os menos corruptos, são aqueles que adotam práticas e leis de transparência há mais tempo”, completa.
Uma premissa lógica: se todos os dados, contratos e editais são sempre divulgados à população, a corrupção fica mais difícil. Não surpreende que o estado de São Paulo, portanto, onde nove empresas são acusadas de cartel em licitações do transporte público, o governo tenha decretado o sigilo de dados do Metrô. O mesmo governo também impôs sigilo a informações da Companhia de Saneamento Básico – justamente em meio à crise hídrica – e da Polícia Militar, suspeita de promover chacinas em Carapicuíba, Osasco e Barueri.
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Leia a matéria completa“Quando nos tiram o direito à informação, fazer o controle social de um governo torna-se impossível”, afirma Mariana Tamari, coordenadora de projetos de acesso à informação da ONG Artigo 19, que atua na defesa da liberdade de expressão. “As pessoas têm o direito de saber quando faltará água nas suas casas, por que as obras do Metrô atrasaram, para onde vai o dinheiro dos seus impostos”, completa.
Verdade que, no quesito transparência, o Brasil engatinha se comparado aos países mencionados no início do texto. Mas, é bom ressaltar, está longe de ser um desastre – ainda que situações desastrosas, como a de São Paulo, ocorram com alguma frequência.
Em vigor há três anos, a Lei de Acesso à Informação pegou: entre maio de 2014 e maio de 2015, foram 98 mil pedidos de informação apenas para órgãos do governo federal (um aumento de 12% em relação aos 12 meses anteriores), conforme levantamento da Controladoria-Geral da União. Os portais da transparência, que obrigam entidades públicas a divulgarem por iniciativa própria – sem a necessidade de um cidadão solicitar – dados referentes a orçamento, projetos e obras, além da remuneração dos servidores, são instrumentos de prestação de contas pioneiros no mundo.
“E hoje existe uma supervigilância sobre o assunto. Prova disso é que, após a pressão da imprensa, [o governador de São Paulo] Geraldo Alckmin deverá abrir os dados sigilosos”, acrescenta o cientista político Valeriano Costa, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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Leia a matéria completaPor outro lado, há relatos incontáveis de órgãos públicos que nem sequer respondem às solicitações e, quando respondem, não é possível entender nada. Para Valeriano Costa, está aí o problema maior: “Em grande parte dos casos, o governo produz informações para o agente público compreendê-las, não para o cidadão. No orçamento, por exemplo, há rubricas e siglas que só um especialista consegue dizer o que significam”.
Mariana Tamari, da Artigo 19, dá um exemplo prático. A ONG pediu aos governos estadual e municipal do Rio de Janeiro, no início do ano, informações básicas sobre a via Transolímpica – que ligará as zonas norte e oeste do Rio –, considerada a maior obra da cidade nos últimos 30 anos. Depois de preencher todos os formulários, o grupo passou quatro meses recorrendo às instâncias recursais, topando com o site Transparência Olímpica fora do ar, ouvindo funcionários dizerem por telefone que nem sabiam do que se tratava a Lei de Acesso à Informação.
“Foi o caos completo e generalizado. Um dos Estados mais importantes para a economia do país se mantém totalmente fora da lei”, afirma Mariana.
Há uma questão cultural inegável. Com apenas 30 anos de democracia e uma história de regimes arbitrários nas costas, o Brasil acostumou-se a governos pouco transparentes, que inclusive manipulavam a informação conforme a própria conveniência. Para se ter uma ideia, a lei que garante aos cidadãos da Suécia o direito à informação pública tem 250 anos – a brasileira tem três.
“E a lei do Brasil é inclusive mais detalhada, mais clara do que as outras”, diz o canadense Gregory Michener, cientista político da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, que estuda leis de acesso à informação do mundo todo. “Mas nos países escandinavos, bem como no Canadá ou nos Estados Unidos, não é necessária uma lei tão avançada para os servidores cumprirem. Faz parte da cultura política e administrativa deles”.
Michener coordenou um estudo para avaliar o cumprimento da lei em três Estados brasileiros, em três capitais, no Distrito Federal e no governo federal (veja no quadro ao lado). A pesquisa também fez uma análise específica da transparência do Poder Judiciário e do Ministério Público, que, nas palavras de Michener, “apresentaram resultados patéticos”. Só 26% dos pedidos endereçados ao Judiciário foram respondidos com informações minimamente compreensíveis ou precisas – no MP, o percentual é ainda pior: 14%.
“É um cenário sombrio: se as instituições que atuam como guardiãs do Estado de Direito são as que menos cumprem a lei, como vão exigir que outras jurisdições cumpram? De novo, é um problema cultural. Por representarem o Estado de Direito, comportam-se como se estivessem acima ou isentos do Estado de Direito. A remuneração total dos juízes, por exemplo, não conseguimos saber até hoje”, critica o cientista político canadense.
No Poder Executivo, o governo federal apresenta os melhores desempenhos, até porque a legislação foi uma bandeira da presidente Dilma Rousseff. O empenho para cumprir a lei – em um caldeirão que comporta uma tradição de sigilo e informações que só a burocracia consegue compreender – é evidente entre boa parte dos servidores.
“A imprensa, às vezes, pode achar que o governo não quer divulgar determinado dado. Em muitos casos, não é isso: falta ao governo o meio para divulgar esse dado. Por exemplo, uma tela que ninguém consegue exportar para o portal”, diz o auditor Sílvio Luís Zago, gerente do programa Gestão Total, da Secretaria de Planejamento Estratégico e Orçamento da prefeitura de Porto Alegre.
A capital foi apontada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) como cidade mais transparente do RS – onde apenas 15% das administrações municipais atendem às normas da Lei de Acesso à Informação. “Nunca vi alguém dizer aqui: “Não vamos prestar essa informação”. Mas, de fato, às vezes recebemos a informação em um nível técnico que pode ser um pouco complicada para o cidadão entender”, reconhece Zago, lembrando que “estamos em um processo constante de evolução”.
O que diz a lei
Em vigor desde maio de 2012, a Lei 12.527 obriga entidades e órgãos públicos a disponibilizarem à sociedade informações sobre a administração pública que são de interesse da população. Atinge os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tribunais de contas, ministérios públicos, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, estados, municípios e Distrito Federal.
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