Cultura do sigilo atrapalha o desenvolvimento da lei de acesso à informação no Brasil.| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

Pense num país dos bons: daqueles com democracia madura, desenvolvimento galopante e raros casos de corrupção. Certo?

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Talvez tenha lembrado da Suécia. Quiçá da Finlândia, do Canadá, da Alemanha, de repente até dos Estados Unidos. Ainda que seja outro, você sabe que o tal país tem altos índices de educação, além de serviços públicos invejáveis, mas é provável que não saiba o seguinte: ele tem a transparência tão arraigada à sua cultura que, se um governante investir errado, a gritaria será imediata.

“Quando as informações do governo estão disponíveis, e as pessoas podem acessá-las inclusive para criticar a gestão, as políticas públicas são melhores”, garante o especialista em administração pública Fabiano Angélico, autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático”. “Tanto é que os países com melhores indicadores de desenvolvimento humano, apontados também como os menos corruptos, são aqueles que adotam práticas e leis de transparência há mais tempo”, completa.

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Uma premissa lógica: se todos os dados, contratos e editais são sempre divulgados à população, a corrupção fica mais difícil. Não surpreende que o estado de São Paulo, portanto, onde nove empresas são acusadas de cartel em licitações do transporte público, o governo tenha decretado o sigilo de dados do Metrô. O mesmo governo também impôs sigilo a informações da Companhia de Saneamento Básico – justamente em meio à crise hídrica – e da Polícia Militar, suspeita de promover chacinas em Carapicuíba, Osasco e Barueri.

“Quando nos tiram o direito à informação, fazer o controle social de um governo torna-se impossível”, afirma Mariana Tamari, coordenadora de projetos de acesso à informação da ONG Artigo 19, que atua na defesa da liberdade de expressão. “As pessoas têm o direito de saber quando faltará água nas suas casas, por que as obras do Metrô atrasaram, para onde vai o dinheiro dos seus impostos”, completa.

Verdade que, no quesito transparência, o Brasil engatinha se comparado aos países mencionados no início do texto. Mas, é bom ressaltar, está longe de ser um desastre – ainda que situações desastrosas, como a de São Paulo, ocorram com alguma frequência.

Em vigor há três anos, a Lei de Acesso à Informação pegou: entre maio de 2014 e maio de 2015, foram 98 mil pedidos de informação apenas para órgãos do governo federal (um aumento de 12% em relação aos 12 meses anteriores), conforme levantamento da Controladoria-Geral da União. Os portais da transparência, que obrigam entidades públicas a divulgarem por iniciativa própria – sem a necessidade de um cidadão solicitar – dados referentes a orçamento, projetos e obras, além da remuneração dos servidores, são instrumentos de prestação de contas pioneiros no mundo.

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“E hoje existe uma supervigilância sobre o assunto. Prova disso é que, após a pressão da imprensa, [o governador de São Paulo] Geraldo Alckmin deverá abrir os dados sigilosos”, acrescenta o cientista político Valeriano Costa, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Por outro lado, há relatos incontáveis de órgãos públicos que nem sequer respondem às solicitações e, quando respondem, não é possível entender nada. Para Valeriano Costa, está aí o problema maior: “Em grande parte dos casos, o governo produz informações para o agente público compreendê-las, não para o cidadão. No orçamento, por exemplo, há rubricas e siglas que só um especialista consegue dizer o que significam”.

Mariana Tamari, da Artigo 19, dá um exemplo prático. A ONG pediu aos governos estadual e municipal do Rio de Janeiro, no início do ano, informações básicas sobre a via Transolímpica – que ligará as zonas norte e oeste do Rio –, considerada a maior obra da cidade nos últimos 30 anos. Depois de preencher todos os formulários, o grupo passou quatro meses recorrendo às instâncias recursais, topando com o site Transparência Olímpica fora do ar, ouvindo funcionários dizerem por telefone que nem sabiam do que se tratava a Lei de Acesso à Informação.

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“Foi o caos completo e generalizado. Um dos Estados mais importantes para a economia do país se mantém totalmente fora da lei”, afirma Mariana.

Há uma questão cultural inegável. Com apenas 30 anos de democracia e uma história de regimes arbitrários nas costas, o Brasil acostumou-se a governos pouco transparentes, que inclusive manipulavam a informação conforme a própria conveniência. Para se ter uma ideia, a lei que garante aos cidadãos da Suécia o direito à informação pública tem 250 anos – a brasileira tem três.

“E a lei do Brasil é inclusive mais detalhada, mais clara do que as outras”, diz o canadense Gregory Michener, cientista político da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, que estuda leis de acesso à informação do mundo todo. “Mas nos países escandinavos, bem como no Canadá ou nos Estados Unidos, não é necessária uma lei tão avançada para os servidores cumprirem. Faz parte da cultura política e administrativa deles”.

Michener coordenou um estudo para avaliar o cumprimento da lei em três Estados brasileiros, em três capitais, no Distrito Federal e no governo federal (veja no quadro ao lado). A pesquisa também fez uma análise específica da transparência do Poder Judiciário e do Ministério Público, que, nas palavras de Michener, “apresentaram resultados patéticos”. Só 26% dos pedidos endereçados ao Judiciário foram respondidos com informações minimamente compreensíveis ou precisas – no MP, o percentual é ainda pior: 14%.

“É um cenário sombrio: se as instituições que atuam como guardiãs do Estado de Direito são as que menos cumprem a lei, como vão exigir que outras jurisdições cumpram? De novo, é um problema cultural. Por representarem o Estado de Direito, comportam-se como se estivessem acima ou isentos do Estado de Direito. A remuneração total dos juízes, por exemplo, não conseguimos saber até hoje”, critica o cientista político canadense.

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No Poder Executivo, o governo federal apresenta os melhores desempenhos, até porque a legislação foi uma bandeira da presidente Dilma Rousseff. O empenho para cumprir a lei – em um caldeirão que comporta uma tradição de sigilo e informações que só a burocracia consegue compreender – é evidente entre boa parte dos servidores.

“A imprensa, às vezes, pode achar que o governo não quer divulgar determinado dado. Em muitos casos, não é isso: falta ao governo o meio para divulgar esse dado. Por exemplo, uma tela que ninguém consegue exportar para o portal”, diz o auditor Sílvio Luís Zago, gerente do programa Gestão Total, da Secretaria de Planejamento Estratégico e Orçamento da prefeitura de Porto Alegre.

A capital foi apontada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) como cidade mais transparente do RS – onde apenas 15% das administrações municipais atendem às normas da Lei de Acesso à Informação. “Nunca vi alguém dizer aqui: “Não vamos prestar essa informação”. Mas, de fato, às vezes recebemos a informação em um nível técnico que pode ser um pouco complicada para o cidadão entender”, reconhece Zago, lembrando que “estamos em um processo constante de evolução”.

O que diz a lei

Em vigor desde maio de 2012, a Lei 12.527 obriga entidades e órgãos públicos a disponibilizarem à sociedade informações sobre a administração pública que são de interesse da população. Atinge os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tribunais de contas, ministérios públicos, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, estados, municípios e Distrito Federal.