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Caxambu (MG) - Passados 24 anos do regime democrático sem interrupção no Brasil, o país enfrenta um problema conhecido e de difícil extinção. A corrupção convive com a democracia como um defeito diagnosticado pela maior parte da população. As pesquisas da organização Transparência Inter­­nacional mostram que, em uma escala de 0 a 10, o Brasil se encontra em 3,5, sendo que quanto mais baixo, maior a percepção de que o país tem problemas de corrupção.

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Se esse mal é presente no país é porque encontra respaldo na sociedade. "Ainda que seja complicado explicar a legitimidade do ato, há maneiras de agir consideradas aceitáveis, razoáveis", diz o antropólogo Luis Roberto Cardoso de Oliveira, professor da Universidade de Brasília (UNB). Se a Constituição Federal prevê igualdade, na prática, diversas medidas também previstas em lei, como a prisão especial, mostram que a igualdade brasileira é um tanto desigual, diz Oliveira.

Pesquisando sociedades como o Canadá, Inglaterra e Estados Unidos, o professor diz que os valores de igualdade e privilégios são entendidos de maneira diferente nesses países. Na Inglaterra, por exemplo, a família real tem seu espaço separado do cidadão comum. "Existe esse espaço definido, mas esse local onde não há tratamento uniforme é aceito com seus limites compartilhados pelos cidadãos", diz. No Brasil não há uma ideia comum do que é espaço de privilégio, não somente pelo que é previsto por lei como por qualquer ação dentro do espaço público. E essa falta de entendimento se expressa em atividades corriqueiras, como na fila do banco. "Antes de se estabelecer atendimento por senha, ou em agências que não possuem esse sistema, a ordem de chegada deixa de ser clara e o cidadão desenvolve estratégias para ser atendido primeiro. Isso ocorre na padaria, em um restaurante ou bar, onde a ordem é chamar a atenção para ser atendido primeiro.", diz Oliveira.

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Ele participou, junto com o sociólogo Michel Misse, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da mesa redonda Democracia e Corrupção: uma convivência impossível, realizada no 33.º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), na semana passada em Caxambu (MG).

Michel Misse disse que a corrupção deve ser pensada dentro da lógica da relação de troca, através da qual o Estado se torna uma possibilidade de apropriação de mercadoria. "É a troca com dimensão de poder, de força", diz. Pode ser uma troca simples, como o clientelismo na política, ou um nível mais alto, na expropriação de bens coletivos do Estado por cidadãos. O nível de corrupção vai depender da capacidade do Estado de reprimir esse tipo de troca.

Luis Roberto Oliveira divide a ética em dois tipos: Ética com "E" maiúsculo, com a ideia de transparência na gestão pública, o ideal de interesse público, e a ética com "e" minúsculo, que é a pretensão de incorporar interesses particulares. " Historicamente, o Brasil dá mais espaço para ética com ‘e’ minúsculo". O que ajuda a colaborar com a ética dos interesses particulares são os discursos reproduzidos por políticos envolvidos em escândalos. Como no caso de distribuição de passagens aéreas do Congresso Nacional. "Ouviu-se muitas justificativas de políticos defendendo o direito à passagem e a legalidade de usar da maneira que considerassem melhor. Essa prática tem aceitação na vigência social e por isso ganha legitimação", diz Oliveira. Outros escândalos, como o mensalão, são barrados pela ideia comum da Ética – com "E" maiúsculo – não aceitas pelo senso comum.

Preconceito

O sociólogo Jessé Souza, da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), diz que por atrás da ideia de que o Brasil é um país mais corrupto do que outros civicamente "mais avançados" está uma lógica preconceituosa. Ele diz que a corrupção existe em países como a Alemanha, Inglaterra e que a diferença entre esses e o Brasil é que naqueles, apesar da corrupção, a sociedade busca uma base igualitária, onde todos têm acesso à cidadania. "É comum ouvir que o problema do Brasil é a corrupção do Estado, como se o Estado fosse ladrão e a sociedade fosse virtuosa. Reproduzindo esse discurso nós retiramos a nossa responsabilidade. Existe uma falsa oposição entre o Estado ladrão e a sociedade virtuosa porque a corrupção não existiria se não existisse o agente corrupto fora dela", diz Souza.

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A repórter viajou a convite da organização do evento.