“O tribunal sai desmoralizado. Infelizmente não há medidas legais para punir ambos. Além disso, o nível de discussão foi tão baixo, que não configura divergência jurídica de qualquer relevância. Foi uma simples troca de ofensas”| Foto:

O professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Dalmo Dallari, faz um diagnóstico sombrio do momento atual do Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, não há saída imediata para a crise entre os ministros, escancarada pela discussão entre Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes na última quarta-feira. Para o jurista, a responsabilidade pela confusão é do presidente do STF. Mas ressalta: "A reação de Barbosa foi decepcionante".

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Aos 77 anos, Dallari é uma das maiores referências nacionais na área de Direito de Estado. Desde 1996, é catedrático da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Além disso, conhece como poucos o perfil dos atuais ministros do STF – foi professor de Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia e Eros Grau, além de ter atuado profissionalmente com Carlos Ayres Britto.

Dallari também é um dos mais ácidos críticos de Gilmar Mendes. Em 2002, ele foi processado criminalmente pelo presidente do STF devido a um artigo que escreveu no jornal Folha de S. Paulo contra a nomeação dele como ministro do Supremo. "Disse que ele não preenchia os requisitos constitucionais para ser ministro, entre eles, a reputação ilibada. O juiz arquivou o caso e colocou na sentença que eu apenas estava manifestando meu direito de crítica, baseado em informações corretas."

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Como fica o STF após a briga entre os dois ministros?

O tribunal sai desmoralizado. Infelizmente não há medidas legais para punir ambos, até porque o Supremo não tem corregedoria. Além disso, o nível de discussão foi tão baixo que não configura uma divergência jurídica de qualquer relevância. Foi uma simples troca de ofensas, em que ambos revelaram um absoluto desequilíbrio. Gilmar Mendes foi grosseiro, como de costume, e seria muito bonito se o Joaquim Barbosa lamentasse essa atitude. Mas ele caiu na armadilha e a discussão acabou na sarjeta.

Joaquim Barbosa teve razão na discussão?

Eu acho que ele deveria ter dado uma resposta de alto nível. Sairia muito prestigiado. Só que ele perdeu a razão ao se exaltar daquele jeito, parecia um moleque encarando o outro. Essa reação foi surpreendente e decepcionante.

A discussão pareceu o ápice de uma desavença antiga entre os dois. O clima no Supremo não anda bom?

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A verdade é que nos últimos tempos o STF baixou muito o seu nível. A presidência de Gilmar Mendes vai ficar marcada por esse desnivelamento. Ele não tem equilíbrio emocional, não serve para juiz. É bom lembrar que quando foi o advogado-geral da União ele disse que o Brasil não tinha um sistema judiciário, mas um "manicômio judiciário". Agora ele mudou de lado, virou um interno do manicômio a que se referiu.

É preciso repensar o sistema de escolha de ministros do STF?

Esse episódio deixa isso bem claro. Eu escrevi um livro chamado O poder dos juízes em que tento apresentar algumas soluções. Os ministros precisam ter um mandato por tempo limitado. É um absurdo que um juiz da Suprema Corte possa ficar por 20 anos no cargo ou até mais. O que eu proponho é que essa escolha seja feita a partir de uma votação que reúna toda a comunidade jurídica nacional.

O senhor concorda com a declaração de Joaquim Barbosa de que Gilmar Mendes "destrói a credibilidade do Judiciário"?

Concordo com isso. Ele está desmoralizando o Supremo, criando a imagem negativa do juiz. Um homem que não tem controle emocional, que não tem imparcialidade, não pode ser ministro.

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Gilmar Mendes é exibicionista?

Isso também está se agravando. Na velha tradição jurídica brasileira o juiz só fala nos autos. E ele fala demais, no jornal, na internet... A imagem do Gilmar Mendes está em todo lugar, cheia de opinião. E um juiz precisa ser imparcial.

Nos últimos anos o Supremo ganhou destaque ao sair na frente do Congresso Nacional em questões polêmicas, como fidelidade partidária e nepotismo. Isso é bom?

Isso tudo é muito infeliz. O Supremo não tem esse papel. Tem o papel de controle da constitucionalidade. Quando ele se mete a substituir o Legislativo, ocorre um desequilíbrio nocivo à democracia.

Há gente que defende o fim das transmissões ao vivo das sessões do STF. Como o senhor vê essa possibilidade?

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Transmissão com esse nível de discussão é melhor que não ocorra mesmo. É desmoralizante. Eu resisto muito a generalizar, até porque há excelentes tribunais no Brasil. O povo precisa de bons exemplos, de autoridades que demonstrem apreço pelas instituições.

Qual será o futuro do STF?

Não vejo saída imediata, de curto prazo, para todas essas questões. É preciso uma retomada da consciência, é preciso que as pessoas percebam que estão prejudicando as instituições a que pertencem.