A Odebrecht, maior empreiteira do país, saiu na frente da concorrente OAS e está prestes a fechar o acordo de delação premiada de seus executivos, entre eles o ex-presidente Marcelo Odebrecht, com o Ministério Público Federal (MPF). A assinatura do acordo, porém, depende de acertos finais, entre eles que a Odebrecht recupere e apresente arquivos digitais da empresa contendo provas do pagamento de propina a políticos e autoridades.
A empresa informou aos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato que está avançando bem no processo de recuperação dos arquivos digitais, que pertenciam ao chamado Setor de Operações Estruturadas. Pelas investigações, esse setor funcionava como uma espécie de departamento exclusivo de pagamento de propina, atendendo a pedidos de outras áreas da empresa.
Os investigadores chegaram a achar que os dados do Setor de Operações Estruturadas haviam sido apagados dos computadores pela Odebrecht no ano passado, após a prisão de Marcelo Odebrecht. Contudo, o depoimento do técnico de informática Camilo Gornati, responsável pela manutenção do programa de controle de pagamentos de propina, revelou a existência de um servidor reserva na Suíça onde estão armazenados todos os detalhes de transações ilícitas. O sistema funcionou ativamente até o fim de maio de 2016.
Passo importante
A recuperação dos documentos contábeis e da movimentação financeira do Setor de Operações Estruturadas é fundamental para a conclusão do acordo, como informou ao Globo uma autoridade que acompanha o caso. Desde o início da negociação, a Odebrecht promete entregar um rol de denúncias, com nomes de envolvidos. Mas a empresa estava com dificuldade de apresentar dados concretos para comprovar as acusações.
As revelações a serem feitas pela Odebrecht são tidas como as mais devastadoras a serem obtidas através de acordo de delação nos dois anos de Lava Jato. A empreiteira deu, nas últimas duas semanas, o passo mais importante rumo à colaboração: os investigadores da força-tarefa aceitaram os anexos (com os assuntos a serem delatados) apresentados pela Odebrecht. Com isso, a Lava Jato já sabe os crimes e os criminosos que podem ser revelados pelos funcionários da empreiteira.
Mas procuradores ligados às negociações já deixaram claro que, sem as provas concretas sobre as novas denúncias, não aceitarão o acordo com a Odebrecht. Eles não querem correr o risco de concordar com a concessão de benefícios penais para executivos de um dos alvos centrais da Lava Jato e, depois, ter dificuldades de obter provas e transformar as denúncias em condenações. Ou seja, o ônus de apresentar as provas é dos executivos que querem fechar o acordo, e não do MPF.
Com isso, as negociações estão paradas no acerto das cláusulas. Ainda não houve reunião para definir, por exemplo, quanto será pago e qual a pena de executivos após a homologação do acordo. Estima-se que a multa da empreiteira possa ficar entre R$ 6 bilhões e R$ 10 bilhões.
“Creio que em termos de material está satisfatório”, afirmou, sobre os anexos, um procurador que participa da negociação.
Sistema “Drousys”
O sistema de informática usado pela Odebrecht para controlar as transações do “banco da propina” chamava-se “Drousys”, e foi comprado pela Odebrecht para operacionalizar pagamentos no exterior. Em depoimento à Justiça Federal, em junho, o técnico Camilo Gornati, responsável pela manutenção do programa, afirmou que um servidor reserva ficou ativo até maio, quando o Ministério Público da Suíça bloqueou o acesso a ele.
Ele explicou que um primeiro servidor onde estavam armazenados os dados sobre as operações bancárias foi bloqueado pela Suíça em 2015. Mas, depois disso, um segundo servidor, também localizado no país, ficou em atividade.
“Foi criado um segundo portal de acesso [ao “Drousys”] que ficava em outro data center também na Suíça”, afirmou Gornati, ao ser interrogado na 26ª fase da Lava Jato, batizada de Xepa.
Questionado pela força tarefa da Lava Jato até quando o novo servidor funcionou, ele explicou que “até mês passado ou retrasado [abril ou maio], pode-se dizer que sim [estava funcionando]”.
Dados do sistema “Drousys”, aos quais a força-tarefa da Lava Jato teve acesso, revelaram que a Odebrecht mantinha pelo menos 42 contas no Caribe, que abasteceram 28 offshores com mais de US$ 132 milhões da empreiteira.
Executivos da empresa também já estão sendo processados por fraudes em contratos de obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e das refinarias Getulio Vargas e Abreu e Lima. Também já foram denunciados por irregularidades em pagamentos ao publicitário João Santana, que coordenou o marketing da campanha da reeleição do ex-presidente Lula e das duas campanhas da presidente afastada, Dilma Rousseff.
Marcelo Odebrecht está preso desde 19 de junho do ano passado. Só em um dos processos, ele já foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a 19 anos e 4 meses de prisão. As investigações sobre a Odebrecht começaram a partir de revelações de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Num dos depoimentos de sua delação premiada, Costa apontou o envolvimento da Odebrecht nas fraudes e confessou ter recebido propina de US$ 25 milhões da empresa na Suíça.
Desde então, a Odebrecht se tornou alvo de buscas em pelo menos três fases da Lava Jato. Odebrecht e OAS começaram a tentar o acordo de delação praticamente ao mesmo tempo. Mas, segundo uma fonte, as negociações com a OAS estão empacadas, assim como estão paradas as negociações de delação com João Santana e sua mulher, Mônica. Procurado pelo Globo, o advogado Theo Dias, defensor de Marcelo Odebrecht, não retornou à ligação do jornal.
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