A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), começou nesta quarta-feira (3), na Cidade do México, o julgamento do estado brasileiro, acusado de violação de direitos humanos ao permitir suposta interceptação telefônica ilegal em duas entidades ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), no Noroeste do Paraná, em 1999.
A questão teve início no ano 2000, com o envio de uma representação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por quatro entidades: Justiça Global, MST, Terra de Direitos e Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap). Pela gravidade do caso, a Comissão acatou a representação e enviou para ser julgada na CIDH.
Segundo as entidades, primeiramente houve recomendação para que o estado brasileiro fizesse uma investigação completa e imparcial do caso, que fossem reparados os danos materiais e morais das supostas vítimas dos grampos e que se adotassem medidas para proteção da privacidade e do direito de livre associação das pessoas. Como as recomendações teriam sido desconsideradas, o caso passou para a Corte, onde os pedidos foram renovados.
Durante o julgamento serão ouvidas testemunhas e partes envolvidas. Ele deverá acabar na tarde desta quinta-feira (4). Mas a sentença da Corte Internacional saíra em até seis meses.
De acordo com as entidades, o estado teria permitido a realização de grampo telefônico em uma associação e em uma cooperativa coordenadas pelo MST em Querência do Norte, no Noroeste do Paraná. Segundo elas, a então juíza de Loanda, Elizabeth Khater, atualmente em Londrina, concedeu, sem qualquer justificativa, o pedido de grampo feito pela Polícia Militar, que não teria competência para qualquer investigação.
Segundo elas, a interceptação autorizada judicialmente foi feita, num primeiro momento, por mais de 40 dias, ultrapassando o prazo máximo de dois períodos de 15 dias previstos em legislação, com gravação de 65 fitas. Mas, logo depois, sem autorização, teriam sido gravadas mais 58 fitas. As entidades denunciaram que, posteriormente, partes da gravação foram divulgadas, de forma não contextualizada, pela Secretaria de Estado da Segurança Pública. De acordo com a advogada da Terra de Direitos, Gisele Cassano, os dados coletados com a interceptação telefônica foram utilizados para "criminalizar" o movimento social.
As mesmas acusações já foram alvo de representação criminal no Tribunal de Justiça do Paraná. Todos os acusados foram inocentados. "É claro que não concordamos com isso", disse o advogado da Renap, Josinaldo da Silva Veiga. Segundo ele, é chegada a hora de resolver a questão de grampos ilegais no país. "Até as autoridades máximas do Judiciário não têm o sigilo respeitado e isso é muito grave", criticou. A advogada da Justiça Global afirmou que a defesa do estado brasileiro está a cargo da Advocacia-Geral da União (AGU). No entanto, a assessoria de imprensa do órgão em Brasília disse que o Departamento Internacional da Procuradoria-Geral da União não foi informado ou convidado para a audiência, por isso não fez nenhuma defesa nesse caso até o momento.
"Só pelo fato de o Estado brasileiro estar lá, já é um constrangimento internacional", disse a advogada da organização não-governamental (ONG) Justiça Global, Renata Lira. Segundo ela, a CIDH pode dar algumas recomendações ao governo brasileiro sobre como agir para respeitar os direitos humanos. "Mas em muitos casos não percebemos muita intenção do governo em cumprir as recomendações", lamentou. Ela acentuou que, embora o fato tenha ocorrido no Paraná e envolver autoridades locais, quem responde em relação à denúncia é o Estado brasileiro.
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