Depois de assumir a presidência da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) entrou para um seleto grupo de políticos. Em fevereiro, igualou-se a Lula e a Dilma Rousseff ao ganhar um sinal próprio no vocabulário da língua brasileira de sinais (Libras). Em uma tradução grosseira para o português escrito, Eduardo Cunha é o gesto de deslizar a mão da testa em direção à orelha.
Era Eduardo Cunha acirra ânimos de parlamentares
Leia a matéria completaO movimento é uma alusão à franja no estilo engana-calvície. Já o sinal de Lula é a mão espalmada no peito com o dedo mínimo encolhido. O de Dilma, uma espécie de letra D formada com os dedos ao lado do olho (que, dizem as más línguas, pode ser também uma alusão a rugas ou intervenção estética). Antecessor de Cunha, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) é reconhecido por um toque no queixo, seguido de um leve tremelique, inspirado em um tique do parlamentar.
As expressões soam curiosas para quem não é surdo. Mas são familiares para deficientes auditivos – principalmente aqueles que acompanham a TV Câmara. Desde 2009, a emissora abraçou a tradução simultânea em Libras e virou referência no país.
Quem já assistiu a um quebra-pau entre deputados ao vivo no canal com certeza se distraiu em algum momento olhando para o canto direito baixo da telinha, intrigado com a performance dos seis intérpretes que se revezam durante as transmissões. “É uma interpretação, um conceito diferente da tradução do português para o inglês, por exemplo. Tem que ter expressão”, descreve Daniel Madureira, 30 anos.
O trabalho exige técnica e jogo de cintura. E se as excelências se xingam ou falam palavrão? “Tem que interpretar, né? Se quem ouve tem o direito de escutar tudo o que o deputado está falando durante a transmissão, o surdo também tem”, complementa Madureira.
No primeiro semestre, Aline Mendes, 34 anos, precisou se virar quando uma discussão sobre parada gay descambou para o baixo calão. “Começou a gritaria quando um deputado repetiu a história de ativistas que enfiaram um crucifixo no ânus. Eu falei, não cabe a gente censurar.”
Outra dificuldade é encarnar vários parlamentares ao mesmo tempo. “Tem alguns truques, como virar o corpo para mostrar a troca de interlocutor”, diz Érica Carvalho Mandeta, 34 anos. “Quando o sujeito fala da emenda da subemenda da relatoria de não sei quem é que vai complicando.”
As multi-interpretações são exaustivas. Por isso, cada intérprete atua por 20 minutos e descansa 40, em jornadas de seis horas diárias. Os salários são de até R$ 4,5 mil, dependendo da carga horária. A Câmara exige graduação em ensino superior (em qualquer área) e comprovante de proficiência em Libras (Prolibras), expedido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Sinal dos tempos
Libras é considerada, desde 2002, a segunda língua oficial do Brasil.
Legislação
A Lei 10.436/2002 reconheceu a Libras como “meio legal de comunicação e expressão”. O texto também fala que o poder público deve apoiar de “forma institucionalizada o uso e difusão da língua”. As regras foram regulamentadas por decreto em 2005.
Língua, não linguagem
Libras é uma língua, não uma mera gestualização do português ou uma linguagem. Os portugueses, por exemplo, não usam a mesma norma, mas a língua gestual portuguesa (LGP). Na prática, é a segunda língua oficial do Brasil.
Diferenças de sinais
Libras tem influência da língua gestual francesa. Tem dois tipos de sinais, os arbitrários (que não têm alusão ao objeto em si) e os icônicos (que se referem diretamente a um objeto representado).
Público
Há poucos estudos sobre o alcance da Libras. De acordo com o censo de 2010, 5,1% dos brasileiros têm deficiência auditiva, o que equivale a cerca de 10 milhões de pessoas. O número é similar à população do Paraná.
TV Câmara
As transmissões da TV Câmara têm tradução em Libras desde 2009. A equipe tem atualmente seis intérpretes, que se revezam ao longo das sessões. Eles trabalham por 20 minutos e descansam 40, em jornadas de seis horas por dia.
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