O término da atual legislatura, marcada por escândalos como o do mensalão e o dos sanguessugas, pode até ser visto com alívio para a sociedade brasileira, mas a chegada de novos deputados e senadores não deve trazer mudanças significativas no Parlamento. Levados em conta apenas os números, tem-se a impressão de que houve uma renovação importante na eleição passada, que ficou em torno de 50%, mas são raros os políticos que chegam com perfis realmente novos, alertam os cientistas políticos Ricardo Caldas e Leonardo Barreto, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Ricardo Caldas lembra que a simples renovação de nomes não é garantia de melhora da qualidade dos políticos.
- Dos deputados da nova legislatura eu não espero nada porque praticamente todos os mensaleiros foram reeleitos e uma parte dos sanguessugas também. Um deputado que era corrupto até 2006 não vai deixar de ser em 2007. Uma eleição nova não muda a moralidade das pessoas. Ela pode ser mais cautelosa apenas - afirma Caldas.
Leonardo Barreto observa que esses parlamentares foram eleitos nas mesmas bases - e vícios - dos parlamentares da legislatura que termina, já que não foi feita a tão esperada reforma política. Para o cientista político, só haverá mudanças significativas nas eleições quando foram instituídos mecanismos como a fidelidade partidária. Ele destaca, no entanto, que a sociedade tem participado mais ativamente da vida política brasileira e exerce uma pressão importante para dar um novo verniz ao Parlamento.
Para os dois cientistas políticos, a entrada de Gustavo Fruet (PSDB-PR) - que se destacou durante o trabalho da CPI dos Correios - na disputa pela presidência da Câmara é um evento positivo, embora não vislumbrem a possibilidade de vitória do tucano. Barreto acredita que, entre os dois com mais chances de vencer, Aldo seria mais indicado para conduzir um processo de mudança na Câmara, mas a defesa do reajuste de 91% para os parlamentares arranhou a imagem do comunista. Quanto a Arlindo Chinaglia (PT-SP), Barreto acredita que o fato de ser ligado a petistas envolvidos em desvios éticos é um fator que joga contra o petista nesse quesito.
Ricardo Caldas aponta um fato novo no cenário atual que pode ser positivo para a melhora da imagem do Congresso, que é a impossibilidade de nova eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, o primeiro mandato foi prejudicado pela disputa eleitoral, o que não acontece agora. Além disso, Ricardo Caldas aposta que Lula vai tentar aprovar uma das reformas em discussão na sociedade, talvez a reforma política, o que forçará o Congresso a trabalhar.
- Do Congresso como um todo eu espero a aprovação de algumas reformas, mais a pedido do Executivo do que realmente por iniciativa própria. A novidade é que o presidente Lula está no segundo mandato e vai querer deixar uma herança administrativa. Não vai querer ser lembrado apenas como um presidente que baixou a inflação. Pelo menos uma reforma deve ser aprovada.
Outro fator apontado pelo cientista político como importante indutor das votações no Congresso é a coalizão do segundo mandato. Para Caldas, há uma diferença qualitativa em relação à base do governo no primeiro mandato, que teria um caráter mais fisiológico do que a atual, apesar de observar que o PMDB também é um partido muito apegado a cargos.
- Há uma diferença qualitativa na coalizão em relação à base do governo no primeiro mandato. No segundo mandato, a aliança PMDB e PT é muito interessante, apesar de o PMDB também ser um partido fisiológico, porque pode viabilizar a tramitação de muitas matérias no Legislativo.
Leonardo Barreto também chama a atenção para a criação do conselho político, que fará com que o governo trate as matérias diretamente com os líderes dos partidos, e não individualmente com cada parlamentar. Em tese, isso institucionaliza a relação entre governo e partidos e evita as relações no varejo, mas não é um escudo contra crises e escândalos, já que aumenta o poder de negociação dos líderes, argumenta Barreto. Ele lembra, porém, que a raiz de negociatas como o mensalão é a liberação de emendas parlamentares, que depende da boa vontade do governo.
- Os líderes ganham poder, mas ainda não resolvemos o problema das emendas. Os deputados são obrigados a procurar o governo para conseguir a liberação das verbas, aí reside o problema. É preciso mudar a forma de execução do Orçamento, que hoje é autorizativo, para imperativo. O Orçamento é uma espécie de cartão de crédito, que autoriza o uso da verba, mas não obriga a execução. Então, o parlamentar tem que bater lá no Executivo e negociar a execução, aí começa a barganha. Se tudo o que está previsto for executado, não teremos esse problema.Orçamento impositivo pode paralisar Executivo
Já o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), considera inviável o Orçamento impositivo. Segundo ele, impedir o governo de fazer remanejamentos no Orçamento engessaria o Executivo. Para melhorar a imagem do Congresso e evitar os desvios éticos, Antônio Augusto aposta nos instrumentos já disponíveis e que tiveram papel essencial nas crises recentes, como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Controladoria Geral da União (CGU), além da pressão da sociedade e da imprensa.
- As instituições estão melhor preparadas para fiscalizar os políticos. A crise política teve um efeito pedagógico. Os próprios parlamentares vão ter mais cuidado com o decoro e na relação com seus apoiadores, mais cuidado na apresentação de emendas. A Polícia Federal, o MP e a CGU estão melhor aparelhados para enfrentar isso. E a imprensa está muito ativa.
Antônio Augusto também aposta numa mudança de comportamento dos próprios parlamentares, que foram muito condescendentes com os colegas na legislatura que termina. Segundo ele, os parlamentares que absolveram os colegas envolvidos em desvios éticos perceberam que foram punidos nas urnas e que precisam mudar de atitude. O analista afirma que, prova disso, é que a instituição do voto aberto nos processos de cassação de mandato deve ser um dos primeiros temas a entrar na pauta do Congresso na próxima legislatura.
- Vários parlamentares que estiveram envolvidos nesse processo foram barrados nas urnas, muito poucos se elegeram, então, perceberam que não corresponderam à expectativa de impedir que esse tipo de coisa acontecesse. Essa mudança está muito evidente. Em relação ao padrão ético, haverá uma mudança para melhor porque a democracia brasileira amadureceu.
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