| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo

Analisar a atualidade política, econômica e até mesmo social do Brasil significa, em partes, compreender o enredo dos escândalos que parecem tornar os esquemas de corrupção no país um caso ímpar. No entanto, os discursos cotidianos que cercam o tema podem se tornar frágeis demais em algumas circunstâncias, alertam especialistas envolvidos diretamente em discussões e pesquisas sobre o assunto. Mas, afinal, o que é verdade e o que é mentira quando o assunto é corrupção?

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O Brasil é muito mais corrupto hoje que no passado?

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Em primeiro lugar, é preciso assimilar: corrupção não é novidade. Também não é coisa de vinte anos atrás. “Pelo menos desde a década de 50 as grandes empreiteiras estão organizadas em escala nacional, envolvidas em práticas cartelistas”, explica o historiador e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Pedro Henrique Pedreira Campos. Autor de uma tese que destrinchou a influência das empreiteiras no governo nacional, principalmente no período da ditadura militar, Campos ressalta que desde essa época há fortes evidências da atuação de empresas junto ao aparelho do estado. “Eles [donos das empresas] são muito poderosos no sentido de pautar as políticas públicas. E a história mostra que eles sempre tiveram bastante êxito”.

Corrupção deixa o país em estado de alerta permanente

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Rita de Cássia Biason, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), acrescenta que o histórico da corrupção no Brasil encontra respaldo no mau controle do dinheiro público. No entanto, a professora acredita que o traço da péssima gestão mostrou leve declínio nos últimos anos com tentativas de controlar esse desordenamento, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo. “Se olharmos por um longo período nós temos uma série de vulnerabilidades em relação ao controle do dinheiro público. Agora nos últimos vinte anos começamos a ter um pouco mais de cuidado, mas ainda estamos falhando muito”, aponta Rita, que coordena o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção (CEPC).

A relação entre corrupção e Estado é uma regra?

Da mesma maneira que é correto afirmar que as práticas ilegais de gestores públicos acompanham várias gerações brasileiras, também é sustentável a ideia de que a relação entre corrupção e Estado é praticamente uma regra no país. E uma regra não personificada. “Nesse sentido, não se restringe a uma única legenda partidária”, defende Campos, que define o processo como suprapartidário e com atuação voltada diretamente para o aparelho do Estado.

Apenas os políticos são corruptos?

A ideia de limitar os gestores públicos como os únicos atores da corrupção, que alcança cenários maiores e muito mais próximos da sociedade civil do que a gente imagina, há muito caiu por terra na opinião de Thiago Bottino, que integra o corpo docente do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro. Conforme o professor, tornou-se um hábito costumeiro as pessoas acreditarem que corrupção “é sempre coisa dos outros”, sem levar em conta seus aparentemente pequenos atos de revelia. “O sujeito reclama da corrupção, apoia medidas até mesmo graves [contra os desvios], mas ‘molha’ com dinheiro a mão do guarda para não ser multado, cola na prova do Enem, usa de suas relações familiares e de amizade para se beneficiar”, pondera.

Corrupção é o maior de todos os males no país?

Há um ano, o instituto de pesquisa Datafolha divulgava que a corrupção liderava o ranking dos maiores problemas brasileiros. 34% dos eleitores entrevistados à época reclamaram da péssima atuação das administrações públicas como o que mais preocupava a sociedade, à frente de saúde, desemprego, educação e violência. Mas, o contexto da realização da pesquisa ajudou na conclusão, apontam os pesquisadores. As entrevistas foram feitas com o país à beira de um processo de impeachment e cada vez mais imerso em diversos escândalo no meio político.

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Lava Jato tenta salvar as “Dez Medidas Contra a Corrupção”

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Os especialistas, por sua vez, rechaçam a ideia de que a corrupção seja o pior dos males no país. “É claro que temos que nos preocupar com isso [corrupção]. Mas de forma alguma podemos deixar de lado outros problemas, como a ineficiência dos governos, a má gestão, a inépcia, muitas vezes, dos governantes”, analisa Bottino.

A coordenadora do CEPC reitera que as grandes proporções da Operação Lava Jato – tanto pela quantidade de dinheiro envolvida como pelo número de políticos envolvidos – assustaram a sociedade e criaram um descrédito muito grande entre todos, mas que, mesmo assim, não é possível negligenciar outros fatores que influenciam a caminhada de um governo.

O pacote anticorrupção vai resolver?

Principal projeto contra a corrupção que tramita no Congresso divide opiniões

No entendimento de especialistas, o projeto de lei das “Dez Medidas Contra a Corrupção”, mesmo que aprovado integralmente e não na versão desfigurada pela Câmara na terça-feira (30), não deve conseguir barrar sozinho as práticas ilícitas que vêm manchando as administrações públicas ao longo dos últimos anos. Por outro lado, o Ministério Público Federal (MPF), responsável pela elaboração das propostas, acredita que o pacote têm sim força para mudar este cenário.

“Mudar a lei não é a solução para mudar a realidade se você não mudar as práticas”, argumenta o professor Thiago Bottino, da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro.

De uma forma geral, pesquisadores defendem que o pacote anticorrupção por si só é insuficiente, uma vez que o mais importante para conter o avanço do problema seria investir na criação de mecanismos de controle e monitoramento sobre as práticas dos gestores públicos.

Rita de Cássia Biason, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e coordenadora o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção (CEPC), acrescenta que o projeto pode até facilitar os trabalhos do Judiciário, mas dificilmente vai representar o fim da corrupção. “Um ladrão não vai deixar de entrar na sua casa só porque existe a possibilidade de ele ser pego”, questiona.

O pacote de medidas contra a corrupção foi protocolado no início do ano pelo MPF e contou com o apoio de mais de 2 milhões de brasileiros. As assinaturas foram colhidas em todas as regiões.

O MPF alega que as medidas originais, elaboradas no decorrer das investigações da Operação Lava Jato, são essenciais para o combate às ilegalidades, agilizando a tramitação das ações de improbidade administrativa e das ações criminais.

O apoio do projeto como ele foi apresentado inicialmente veio inclusive dos procuradores que fazer parte da força-tarefa da operação, que participaram de debates na Câmara sobre o tema. Entre as propostas do pacote, estão o aumento da pena para corrupção e seu entendimento como crime hediondo, além de mudanças para tornar crime o enriquecimento ilícito e dar maior agilidade às ações de improbidade administrativa.