A proposta do ministro Gilmar Mendes, de criação de varas especializadas no combate a abusos de autoridade, agitou o mundo de delegados, procuradores, advogados e juízes - profissionais que se tornaram alvos de reprimendas públicas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em sua ofensiva contra violações. "É preocupante a declaração do presidente da Suprema Corte porque fica claro que ele próprio não confia na magistratura de primeira instância, que é a base do poder que ele representa", reagiu o delegado Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da Comissão de Prerrogativas da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. "Como falar em excessos das autoridades policiais se elas simplesmente são executoras de ordens judiciais sob a supervisão e fiscalização do Ministério Público?"

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Mendes lançou a idéia das varas judiciais para conter desvios durante debate promovido nesta segunda-feira (4) pelo "Estado" que reuniu ainda o ministro Tarso Genro (Justiça), o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto. O tema do encontro foi a crise institucional provocada pela Operação Satiagraha, que a PF deflagrou em 8 de julho.

"Quando atribui excessos ao policial e propala a necessidade de varas para cuidar disso na verdade o ministro está desacreditando seus colegas da magistratura", reitera Leôncio. "Não se pode ignorar que as operações policiais são realizadas a partir de ordens do Judiciário e que os inquéritos são acompanhados pelo juiz, em regra de primeiro grau. Dizer que existe abuso e pregar a criação de varas específicas de certa forma é dizer que a magistratura de primeira instância não está cumprindo seu dever a contento?"

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"Embora a crítica do ministro seja endereçada à polícia, ela acaba pegando os membros do Judiciário, do qual ele (Mendes) é o representante maior", disse Leôncio. "Os delegados são preparados, responsáveis. Aceitar a tese do presidente do STF é aceitar que o Judiciário de primeiro grau é conivente com excessos e abusos, o que definitivamente não existe."

Apreensão

"É completamente desnecessária (a criação das varas)", declarou Antonio Carlos Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. "Essa questão do abuso tem que ser resolvida caso a caso. Vemos com muita apreensão o pacote de medidas que visa a intimidar a polícia, o MP e a Justiça e contribui pouco com a modernização da Justiça. É um paradoxo no momento em que as promoções do MP decorrem de um trabalho concatenado com a polícia e vem demonstrando eficiência no combate ao crime organizado."

"É interessante que um juiz-corregedor possa acompanhar os trabalhos da PF como já ocorre na Justiça estadual com relação à Polícia Civil", anotou Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB paulista. "Estamos assistindo a uma reiteração de abusos que precisam ser coibidos. As instituições precisam ser fortalecidas."

Ricardo de Castro Nascimento, presidente da Associação dos Juízes Federais em São Paulo, disse que "simpatiza" com a proposta do ministro sobre reforma da lei do abuso, mas observou: "Tenho dúvidas se essa mudança precisa passar pela especialização de uma vara. Eu concordo com o ministro quando ele defende a mudança da lei de abuso, porque ela é inoperante, instrumento anacrônico. Para abuso já existem as corregedorias, por isso tenho reservas quanto à materialização, ou seja, se isso iria requerer uma especialização."

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Claudio Dell’orto, presidente em exercício da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), destacou: "O que não sabemos é se há necessidade de proceder especialização em crimes de abuso. Na campanha contra a corrupção, a AMB sugere criação de varas especializadas em crimes contra a administração de um modo geral. Seria um excesso a especialização para um único delito."

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