O Palácio do Planalto avalia que o vice-presidente Michel Temer (PMDB), com sua “dura” carta recheada de críticas à presidente Dilma Rousseff, “quer forçar que o governo rompa com ele” para que o peemedebista fique mais livre para se posicionar sobre o processo de impeachment.
Segundo assessores presidenciais, Temer não quer ficar com o “ônus” do rompimento e tenta fazer com que ele venha do Palácio do Planalto. A orientação tirada na noite de segunda-feira (7) em reunião da presidente com sua equipe, quando a carta de Temer foi divulgada, é que o governo não reaja ao documento exatamente para não dar ao vice os “argumentos” que ele busca para se distanciar ainda mais da petista.
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Para auxiliares presidenciais, o peemedebista adotou uma postura, nos últimos dias, de distanciamento e de silêncio para provocar uma reação negativa da presidente Dilma. Um auxiliar diz que a carta foi apenas o “fecho” desta estratégia. Dentro do governo, a avaliação é que o tom pesado do documento escrito por Temer “não combina com o estilo do vice” e “assustou” o Palácio do Planalto porque não esperava que o peemedebista “chegasse a este ponto”.
A carta, segundo auxiliares presidenciais, praticamente inviabiliza qualquer tipo de diálogo daqui para a frente e é um último passo do grupo de Temer na direção do rompimento.
Do lado do vice-presidente, ele insistiu na noite de segunda que sua carta não significa um rompimento. A amigos, Temer disse que o documento escrito por ele foi um “desabafo”, porque a presidente Dilma buscava divulgar uma versão que não combina com os fatos: o de que confia nele, numa estratégia, vista pelo grupo do vice, como uma forma de constrangê-lo a criticar o processo de impeachment.
Desconfiança
No documento, enviado à presidente em caráter pessoal e privado, Temer diz que sempre teve “ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”. Ele diz que passou os primeiros quatros anos de governo como “vice decorativo”.
O vice começa a carta dizendo que a palavra voa, mas o escrito fica. Por isso, diz, preferiu escrever. Avisa então que está fazendo um “desabafo” que deveria ter feito “há muito tempo”. Na avaliação de amigos do vice, a carta realmente representa o rompimento com a presidente Dilma, apesar de o peemedebista não querer dar esta conotação ao documento.
Temer demonstra profundo incômodo com declarações e ações de Dilma, de seu governo e de seus aliados sobre a “confiança” que devotam a ele. “Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade”, escreve. “Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.” “Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo”, sustenta Temer.
Para ilustrar, cita o esforço que fez para manter o PMDB com Dilma. “Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% [dos dirigentes do PMDB] votaram pela aliança”. “E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à vice.”
Temer diz que tem usado o prestígio que construiu no partido para manter o PMDB ao lado de Dilma. “Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo”, conclui. O vice ainda elenca 11 fatos que, segundo ele, demonstram o desprezo por ele e pelo PMDB, que “jamais” eram chamados para formulações econômicas ou políticas. “Éramos meros acessórios, secundários, subsidiários”.
Quando fala em “vice decorativo”, Temer diz que perdeu “todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo”. “Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. Ele lembra, por exemplo, que quando assumiu a articulação política não conseguiu honrar acordos porque o governo não lhe dava condições.
Distanciamento
A decisão de Temer de enviar a carta foi o ponto alto de mais um dia conturbado nas relações entre ele e a petista. Antes da divulgação do texto, o ex-ministro Eliseu Padilha, um dos principais aliados do vice, disse que Temer está fazendo uma “aferição” do sentimento do PMDB sobre o impeachment. Padilha foi o primeiro grande aliado de Temer a abandonar o governo. Ele chefiava a Aviação Civil até a semana passada.
Depois de reconhecer que o PMDB está “literalmente dividido” sobre o afastamento de Dilma, Padilha disse que Temer, como presidente nacional da sigla, está consultando deputados, senadores e os 27 dirigentes estaduais. “Temos que ver onde é que está o segmento majoritário do partido”, disse Padilha.
A declaração alarmou o Planalto. Aliados de Dilma vinham trabalhando para arrancar do vice condenação ao impeachment. No entanto, a fala de Padilha confirmou que Temer não tem demonstrado disposição em defender o mandato da presidente.
Pela manhã, Dilma havia dito à imprensa que não desconfiava “um milímetro” de seu vice e que esperava dele o “comportamento bastante correto” que ele sempre teve.
Antes da carta tornar-se pública, o governador do Estado mais importante controlado pelo PMDB, Luiz Fernando Pezão, do Rio, criticou a atitude do vice, que estaria “conspirando” contra Dilma. “Vice é para ter atribuições, para ajudar na governabilidade, e não para conspirar”, disse, ao jornal O Dia. “Adoro o Michel, mas eu não estou achando legal o posicionamento dele nessa questão com a presidenta Dilma.”
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