O governador Beto Richa, o prefeito Luciano Ducci (candidato à reeleição) e o presidente em exercício da Sanepar, Antonio Hallage, foram unânimes em afirmar que há motivação político-eleitoral na operação Água Grande, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ibama e que acusou a estatal paranaense de saneamento como o maior responsável pela poluição do Rio Iguaçu. O presidente efetivo, Fernando Ghignone, reforçou o coro, mas atualmente está licenciado para se ocupar da campanha do prefeito.
Em entrevista, o governador disse estar no direito de "imaginar que houve outros objetivos, que não o real de poder investigar com números e documentos o que está acontecendo no saneamento do estado", insinuando motivação político-eleitoral na operação dos dois órgãos federais.
O jornalista Rogério Galindo, colunista e blogueiro da Gazeta, captou a contradição na fala de Beto ao lançar esta pergunta: "Afinal, se o grupo político dele está junto com Dilma, como afirma a propaganda de Luciano Ducci, por que a polícia comandada pela presidente teria interesse em derrubar o governador?"
Se a única reação do governo foi quanto ao suposto motivo político e se não há resposta plausível para a pergunta de Galindo, o melhor a fazer é dar satisfações à população a respeito do que realmente interessa: afinal, a Sanepar é ou não responsável pela morte do Rio Iguaçu?
É esse ponto que as autoridades tentaram desfocar a verdadeira essência do grave problema levantado pela PF e pelo Ibama. Sanitaristas ouvidos pela coluna alguns deles com larga experiência na própria Sanepar reconhecem a existência de formidáveis passivos ambientais provocados pela empresa ao longo dos últimos anos e que a estatal teima em não revelar ou, o que seria melhor, em não resolver.
Para onde vai o esgoto?
Em 2009, esta coluna, com base num estudo realizado na Universidade Federal do Paraná, revelava terem sido identificados pelo menos 2 mil pontos de contaminação em Curitiba de responsabilidade da Sanepar, não necessariamente vinculados à ligações domésticas clandestinas.
Querem ver mais um exemplo do problema ambiental provocado pela Sanepar e sobre o qual o noticiário dos últimos dias deixou de explicitar em toda a sua dimensão? Ei-lo: segundo relatos técnicos, calcula-se em pelo menos 300 mil metros cúbicos o volume de m... que se infiltra no solo na região das cavas do Iguaçu, proximidades da Estação de Tratamento de Esgotos do Boqueirão, a ETE-Sul.
A estação, construída nos tempos do governador Jayme Canet (1976-79), é ainda hoje uma das mais modernas do país. Sua função é recolher o que lhe chega pela rede de coleta de esgotos de uma região da cidade (outras três estações atendem as demais) e fazer a separação entre líquidos e sólidos. O líquido, após receber tratamento para eliminar (parte) dos coliformes fecais, é jogado no Rio Iguaçu. O que sobra, isto é, o sólido, forma um lodo putrefato, é dispensado na natureza praticamente sem tratamento algum, contaminando as cavas e o lençol freático.
Dá-se o que os técnicos chamam de percolação processo de filtragem no solo e que, pelo efeito das águas (chuvas, por exemplo), acaba infestando de novo o Iguaçu.
Tarifa já subiu 35%
Já houve tentativas, no passado, de dar destinação a esse lodo, transformando-o num produto estéril (pela adição de cal) adequado para adubar e corrigir solos agrícolas. A tecnologia foi abandonada nos primeiros anos do governo Requião, a partir de 2003. De lá para cá, esse lodo altamente poluente só serviu para agravar a situação.
Embora tenha contratado inúmeros "consultores estratégicos", a atual gestão dizem alguns revoltados técnicos da Sanepar não teria manifestado a vontade necessária para enfrentar o problema embora as tarifas de água, coleta e tratamento de esgoto tenham sofrido nesses dois anos dois reajustes que somaram 35% de aumento na conta dos consumidores.
Fatos como esse é que explicam a ênfase do delegado federal responsável pelas investigações, Rubens Lopes, em acusar a Sanepar de praticar estelionato, isto é, de cobrar por um serviço que realmente não presta. A denúncia da PF foi embasada em relatórios de respeitadas instituições de pesquisa, exames laboratoriais e observações in loco. E, por isso, foi recebida pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal.
Em nota oficial, a empresa se mostrou revoltada com as revelações e ameaçou responsabilizar judicialmente "os autores de declarações inverídicas e caluniosas". Está no seu direito. Mas é direito maior ainda o que o povo detém de saber o que realmente se passa. Sobre isso, o governo e a Sanepar pouco falaram. Preferiram reduzir o assunto à política e às eleições.
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