Durante a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Venezuela, entre domingo e segunda-feira, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), será o primeiro comunista a assumir a Presidência do Brasil. Ele vai ocupar o cargo interinamente porque o vice-presidente, José Alencar, está em Nova York, onde irá se submeter a uma cirurgia.

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É também a primeira vez que um comunista "de carteirinha", da linhagem da Terceira Internacional (o velho Comintern stalinista), chega à presidência de uma democracia ocidental, sem revolução ou golpe de Estado.

- Esse fato (ocupar a Presidência) é uma expressão do amadurecimento da vida democrática no Brasil. Mesmo que seja só uma formalidade constitucional, mostra ao mundo o dinamismo e a mobilidade exemplares que nossa democracia proporciona - disse Aldo.

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Filiado ao Partido Comunista do Brasil desde a adolescência, Rebelo, de 50 anos, substituirá Lula por 24 horas porque, pela Constituição do Brasil, o presidente da Câmara é o segundo na linha de substituição. Às 17h30m de domingo, Lula transfere o cargo para Aldo na sala de autoridades do Aeroporto de Congonhas.

Um dos últimos partidos stalinistas do planeta, o PCdoB chega à Presidência do Brasil 17 anos depois da queda do Muro de Berlim, que marcou simbolicamente o fim do chamado "socialismo real" no dia 9 de novembro de 1989.

- A idéia generosa da busca de justiça e igualdade de direitos é universal e não desapareceu - disse Aldo à Reuters, explicando a sobrevivência de um partido que se considera herdeiro do pensamento revolucionário de Karl Marx.

Embora o PCdoB tenha apenas 12 entre 513 deputados, Aldo Rebelo foi eleito presidente da Câmara em 2005 no meio de uma crise política que atingiu o PT de Lula.

Deputado desde 1991, Rebelo elegeu-se graças ao apoio de Lula e ao diálogo que sempre soube manter com outros políticos, inclusive conservadores, mesmo atuando debaixo do "centralismo democrático", a rigorosa disciplina partidária do PCdoB.

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Fundado por operários e ex-anarquistas em 1922, na esteira da Revolução Soviética de 1917, o PCdoB teve uma breve existência legal, entre 1945 e 1946, e só foi reconhecido completamente em 1985, na redemocratização que pôs fim aos governos militares.

No início dos anos 1970, o PCdoB organizou uma guerrilha na Amazônia, liquidada pelos militares em dois anos de combate.

Por outra coincidência, Rebelo será presidente provisório 71 anos depois do fracassado levante militar de novembro de 1935 que, em vez de fazer os comunistas ascenderem ao poder, levou-os à cadeia e precipitou o Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas.

Ao longo de sua história, foram mais de seis décadas de clandestinidade, perseguição e guerrilha, mas nesta sexta-feira seu representante mais ilustre era o palestrante convidado na Escola de Guerra Naval.

Entre as paixões, futebol e história

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O primeiro presidente comunista do Brasil é jornalista por formação e foi presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), então uma entidade clandestina. Torcedor do Palmeiras, futebol e história são suas paixões.

No gabinete pessoal, Rebelo tem retratos dos comunistas Vladimir Lenin, Josef Stalin e Mao Tse-Tung. Para a sala de presidente da Câmara, levou bustos de outros ídolos políticos: Simon Bolívar e Abraham Lincoln.

- Ambos foram homens iluminados que conduziram projetos generosos a seu tempo - avaliou o deputado comunista sobre o general que comandou guerras de libertação na América do Sul e o presidente que venceu a Guerra Civil nos Estados Unidos.

- Abraham Lincoln talvez aconselhasse o presidente George W. Bush a basear o poderio dos Estados Unidos muito mais na crença da liberdade do que no medo diante as ameaças aparentes ou verdadeiras - sugeriu Rebelo.

Na manhã desta sexta-feira, Rebelo fez uma palestra na Escola de Guerra da Marinha, Após décadas de clandestinidade, guerrilha e perseguição política, sob duas ditaduras que somaram 30 anos, o comunista Aldo Rebelo prefere valorizar o processo de redemocratização.

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- A democracia corresponde ao sacrifício de muitos brasileiros, que a geração de hoje recebe como resultado da luta de muitos que pagaram um preço elevado.

O estatuto do PCdoB prega a "conquista do poder político pelo proletariado e seus aliados, propugnando o socialismo científico", mas seus dirigentes admitem que a via democrática pode levar a esse caminho, antes buscado apenas pela revolução.

- Nós acreditamos que a liberdade e a igualdade favorecem a busca da igualdade. Cada etapa da história exige seus próprios caminhos na busca da transformação social - disse Rebelo.