Na tentativa de dissuadir o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró da ideia de firmar um acordo de delação premiada, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) prometeu interceder junto a políticos e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por um habeas corpus capaz de tirar o ex-dirigente da estatal da prisão. Em conversas gravadas pelo filho do ex-executivo, Bernardo Cerveró, Delcídio faz menção ao nome do vice-presidente da República Michel Temer e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Advogado com prisão decretada dizia que anularia delações da Lava Jato
O advogado Edson Pinheiro, que teve sua prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal sob acusação de planejar a fuga de Nestor Cerveró, era um crítico ferrenho das delações premiadas, mas seus interesses não eram a proteção do seu cliente, o ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, na visão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal.
Pinheiro traiu Cerveró e foi cooptado pelo senador Delcídio do Amaral (PT-SP) para proteger o parlamentar e o banqueiro André Esteves, segundo Teori. Tanto Delcídio quanto Esteves também foram presos nesta manhã. “O advogado Edson Ribeiro passou, efetivamente, a proteger os interesses do senador Delcídio Amaral”, escreve o ministro na decisão que mandou prendê-lo.
Conversas gravadas por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras, apontam que o interesse do advogado era derrubar delações que comprometeram integrantes do PT e do PMDB.
Numa conversa com o senador, o advogado diz a Delcídio que tem ele deveria conversar com o também ministro do Supremo Luiz Fachin, indicado ao cargo pela presidente Dilma Rousseff, para tentar anular delações que precisam ser homologadas pela instância máxima da Justiça porque elas citam políticos.
“Se a gente anula aquilo, a situação de todos tá resolvida. Porque aí eu vou anular em cadeia”, afirma a Delcídio. “Consigo anular a de Fernando Baiano, a do [Pedro] Barusco e a do Julio Camargo”, orgulha-se em outro trecho da conversa -Baiano é o apelido do lobista Fernando Soares.
O advogado cita também que conseguirá anular o acordo de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras que se tornou o primeiro delator da Operação Lava Jato e levou as investigações a territórios que os procuradores e a Polícia Federal nem imaginavam.
Aos 57 anos, formado em direito pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Ribeiro não é tido por seus pares no Rio de Janeiro como “um advogado de bandidos”, expressão que a reportagem ouviu de três profissionais que já atuaram em causas com ele, como a defesa de contraventores ligados a Castor de Andrade.
Ribeiro tem casa em Orlando (EUA), onde estava quando sua prisão foi decretada. A reportagem não conseguiu localizar o advogado que vai defendê-lo. Procurado pela reportagem, o sócio de Ribeiro no escritório no Rio, Felipe Caldeira, não foi localizado.
Em conversa com Bernardo e com o então advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, o petista disse que era preciso “centrar fogo” no Supremo Tribunal Federal (STF) para conseguir a liberação do ex-diretor. E revela estar disposto a fazer tráfico de influência na Corte. Ele indicou nomes dos ministros Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, e Dias Toffoli, como figuras com quem já conversou. Também falou da necessidade de se aproximar do ministro Gilmar Mendes. Os três ministros fazem parte da 2.ª Turma do STF, responsável por julgar os casos da operação Lava Jato.
A menção à possível interferência na Corte incomodou os ministros. Ao deixar a sessão de hoje, Toffoli disse que há quem venda a “ilusão” de suposta influência na Corte. “Mensageiros que tentam dizer que ‘conversei com fulano, com sicrano’, que garantem ‘vou resolver sua situação’. Não é a primeira vez que isso ocorre. O STF não vai aceitar nenhum tipo de intrusão nas investigações que estão em curso e é isso que ficou bem claro”, disse Toffoli.
Em depoimento à Procuradoria-Geral da República, Bernardo Cerveró disse que Delcídio prometeu “movimentar-se politicamente para ajudar Cerveró” e orientou que a família procurasse Renan Calheiros e o senador Edison Lobão (PMDB-MA), que teriam “trabalhado” com o ex-diretor.
Questionado sobre o que poderia fazer concretamente, Delcídio disse “que tinha entrada no Supremo”, que “esteve com Dilma” e que “esteve com lideranças”, de acordo com o filho do ex-diretor. A tentativa de Delcídio de colocar Cerveró em liberdade é classificada pela PGR como “espúria”.
“Nós temos que centrar fogo no STF agora, eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi para o Toffoli conversar com o Gilmar. O Michel (Temer) conversou com o Gilmar também, porque o Michel está muito preocupado com o (Jorge) Zelada, e eu vou conversar com o Gilmar também”, disse Delcídio, em conversa gravada por Bernardo Cerveró. Zelada, que sucedeu Cerveró na diretoria internacional da Petrobras, também foi preso durante as investigações da Lava Jato.
O advogado Edson Ribeiro pergunta, no diálogo, quem seria a melhor pessoa para conversar com Gilmar Mendes. “Com o Gilmar, não, eu acho que o Renan (Calheiros) conversaria bem com ele”, respondeu o petista.
Durante julgamento, Gilmar Mendes fez questão de dizer que não recebeu nem por parte de Renan Calheiros, nem de Temer “qualquer referência ou apelo” ao caso de Cerveró. A assessoria de Temer informou que o vice-presidente nunca tratou com Delcídio sobre interferência no STF e nem conversou com ministros da Corte sobre o assunto.
Por meio de assessoria, o presidente do Senado afirmou que “nunca autorizou, pediu ou concordou que seu nome fosse utilizado por terceiros em qualquer circunstância”.
O nome do ministro Luiz Edson Fachin também é citado por Delcídio. O senador petista se comprometeu, em reunião no hotel Golden Tulip, em Brasília, a “conversar com o ministro Edson Fachin”, do STF, sobre um habeas corpus que questiona a delação do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Na manifestação ao Supremo, o procurador-geral da República aponta que “ouve-se até mesmo, na conversa, determinação do congressista a seu chefe de gabinete de que anotasse em sua agenda o compromisso de ‘tomar um café’ com o ministro Edson Fachin”.