Ficha limpa precisa de "carona" para avançar
O caminho mais rápido para a aprovação da proposta de iniciativa popular que tenta barrar os fichas-sujas, protocolada na semana passada no Congresso Nacional, é pegar uma "carona" com outro texto em tramitação avançada.
Pressão acelera votações na Câmara dos Deputados
A entrega do projeto de iniciativa popular contra a candidatura dos fichas-sujas ocorre em um momento em que a Câmara dos Deputados tem se dedicado a aprovar temas ligados a interesses econômicos setoriais.
Brasília - As 43 entidades que apoiam o projeto de iniciativa popular que tenta barrar os candidatos fichas-sujas, protocolado na semana passada no Congresso Nacional, terão uma missão ainda mais difícil do que reunir 1,3 milhão de assinaturas para poder apresentá-la oficialmente. Terão de convencer a maioria dos 594 congressistas a criar regras que podem prejudicá-los. Pelo menos outras dez propostas tratando de assuntos iguais ou similares estão engavetadas no Senado e na Câmara dos Deputados. A mais antiga foi apresentada em 1993 e está pronta para ser votada em plenário pelos deputados desde novembro de 2001.
Os textos integram um pacote de 68 projetos de prevenção e combate à corrupção formulado em outubro do ano passado pelas ONGs Contas Abertas e Transparência Brasil, em parceria com a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção. Na época, todos estavam em estágio avançado de votação. Atualmente, oito estão prontos para apreciação em plenário. Apesar disso, apenas um deles foi aprovado o projeto de lei complementar (PLP 217/2004) do ex-senador João Capiberibe (PSB-AP). A norma obriga municípios, estados e União a publicar na internet todos os gastos que realizam.
Todas as propostas relacionadas aos fichas-sujas, porém, continuam estacionadas. Na prática, um grupo numeroso de parlamentares age contra os projetos de combate à corrupção por interesse próprio. Até o mês passado, 129 deputados e 21 senadores eram alvos de processos no Supremo Tribunal Federal (STF). "Para qualquer mudança que altere as atuais regras do jogo, há uma reação muito forte", diz o presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE).
O diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, reforça que não há uma preocupação em debater a questão de uma maneira estrutural. "A maioria das propostas nessa área surgiu apenas como uma resposta a um escândalo. Foram uma coisa de momento, que acabam esquecidas até pelos próprios autores."
Esse comportamento é comprovado por uma pesquisa realizada pela psicóloga Laura Frade, que avaliou o teor das propostas relacionadas à criminalidade e corrupção apresentadas durante a legislatura passada (2003-2007). De acordo com o estudo, que embasou uma tese de doutorado na Universidade de Brasília e o livro "Quem mandamos para a prisão", deputados e senadores apenas reagem a ondas de crimes para prestar contas à sociedade. Do total de 9.244 propostas feitas no Congresso Nacional nesse período, 646 (7%) tratavam do combate ao crime.
A constatação mais marcante, entretanto, revela que os congressistas se preocupam majoritariamente em coibir casos praticados pela população mais pobre. Apenas dois projetos (0,02% do total de proposições) eram relacionados a crimes de colarinho-branco. "O criminoso é o pouco instruído, doente, indigno de confiança, sujo e inferior. É sempre o outro", diz um trecho do livro de Laura Frade.
A última das "ondas" ocorreu neste ano, fomentada pelas denúncias do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) contra o fisiologismo do próprio partido. Em fevereiro, o pernambucano atacou a conduta da legenda na disputa por cargos no governo e na eleição do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A ação provocou uma série de manifestações internas, entre elas a de um grupo com cerca de 30 parlamentares a favor da ética e da transparência no Poder Legislativo.
"Foi puro espetáculo midiático, ficou tudo por isso mesmo", lembra o deputado Paulo Rubem Santiago. O grupo, liderado pelo deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), perdeu força durante o escândalo das passagens aéreas. O próprio Gabeira esteve envolvido no caso e teve de desculpar-se publicamente por ceder bilhetes pagos pela Câmara para a filha viajar ao exterior.
Pelo menos três deputados paranaenses participaram das reuniões do grupo Gustavo Fruet (PSDB), Marcelo Almeida (PMDB) e Ratinho Júnior (PSC). "Aquele movimento deixou sim um legado a favor da transparência, que tornou-se algo irreversível", defende Fruet. Na época, Ratinho Júnior (ex-deputado estadual) declarou que iria se empenhar para levar a discussão para a Assembleia Legislativa do Paraná. A sugestão, que contava com o apoio de Fruet e Almeida, nunca evoluiu. Assim como as reuniões do grupo pró-transparência em Brasília.
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