Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) anexado ao processo que levou à prisão Nestor Cerveró aponta o ex-diretor da Petrobras como beneficiário de um saque de R$ 200 mil em espécie, em 7 de janeiro de 2011. O dinheiro saiu da conta de uma usina de etanol de Paracatu, no interior de Minas Gerais, que fornece o produto para a Petrobras. Na ocasião, Cerveró era diretor financeiro da BR Distribuidora, subsidiária da companhia.
No documento do Coaf, a Petrobras é identificada como "responsável". O órgão de fiscalização do Ministério da Fazenda não explicou qual o significado de a estatal ter sido incluída no documento com essa designação. Procurada pela reportagem, a Petrobras informou que seus diretores executivos não têm autorização para fazer saques em nome da empresa.
O documento do Coaf foi enviado aos investigadores da Operação Lava-Jato. O relatório foi produzido a partir de um pedido da força-tarefa do Ministério Público para identificação de transações financeiras fora do padrão envolvendo os investigados no esquema de corrupção da Petrobras. O registro da retirada em espécie consta de um relatório de inteligência financeira realizado em 7 de novembro de 2014.
Os bancos e demais instituições financeiras são obrigados a informar ao Coaf movimentações atípicas dos clientes que tenham indícios de lavagem de dinheiro. Em relação aos saques em espécie, a lei determina a comunicação de toda operação que supere R$ 100 mil.
No item 2.3 do relatório enviado à força-tarefa, há registro de uma comunicação feita pelo banco Bradesco. Cerveró aparece como sacador de R$ 200 mil de uma conta de titularidade da Destilaria Vale do Paracatu Agroenergia. A conta citada no relatório é de uma agência do Bradesco na Avenida Paulista, no Centro de São Paulo. A usina continua sendo dona da conta até hoje, de acordo com o site do banco.
Na época do saque, Cerveró já tinha deixado a área internacional da Petrobras, mas ele ficou na Diretoria Financeira da BR Distribuidora até março de 2014. Há registro ainda de outras movimentações em espécie feitas pelo ex-diretor - dois depósitos de R$ 192 mil - que foram justificadas no sistema bancário como pagamento pela compra de um imóvel. No caso da transação financeira da destilaria, porém, não há justificativa para o saque no relatório do Coaf.
Em resposta, a BR Distribuidora disse não ter informações sobre essa movimentação financeira, mas ressaltou que não há autorização da empresa para que os seus diretores retirem quantias em espécie. "Diretores executivos não têm a prerrogativa de realizar saques em nome da Petrobras Distribuidora", registrou. A estatal afirmou ainda que a usina Paracatu é "fornecedora eventual de etanol" para a BR, não existindo contrato fixo entre as empresas.A reportagem entrou em contato com a destilaria. Um funcionário disse não ter conseguido localizar o diretor que poderia responder perguntas sobre o saque. A defesa de Cerveró foi procurada desde terça-feira por telefone e não respondeu. O Coaf alegou sigilo bancário para não explicar o que significaria a inscrição da Petrobras como "responsável", apesar de o documento ter sido anexado a um processo da Lava-Jato que não é protegido por sigilo.
O relatório consta de anexo enviado à Justiça Federal do Paraná pela PF, que não se pronunciou sobre as movimentações em espécie feitas por Cerveró.
O pedido de quebra de sigilo e o consequente pedido de prisão, feito pelo Ministério Público Federal, porém, tem como um dos argumentos outro relatório do órgão do Ministério da Fazenda. Para os investigadores, a consulta feita pelo ex-diretor a uma gerente do banco Itaú sobre a possibilidade de retirada imediata de uma aplicação em previdência privada é indicativo de que Cerveró procurava blindar seu patrimônio repassando a terceiros bens e recursos que seriam origem de atividade criminosa.
A informação sobre a consulta do ex-diretor chegou à Polícia Federal através de outro relatório do Coaf, produzido no dia 30 de dezembro do ano passado. Segundo esse relatório, no dia 16 de dezembro de 2014, Cerveró pediu a sua gerente que realizasse o resgate total dos R$ 463 mil que possui em um fundo de previdência, e transferisse o dinheiro para uma aplicação do mesmo formato em nome da filha Raquel. A gerente explicou ao ex-diretor que ele pagaria mais de R$ 100 mil de imposto de renda. De acordo com o Coaf, Cerveró disse que gostaria de realizar a transação mesmo assim. O resgate foi solicitado pela gerente, mas a operação ainda não foi concluída.
O pedido de resgate foi feito por Cerveró no dia seguinte à denúncia feita pelo MPF na Lava-Jato que lhe imputava os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em 17 de dezembro, a denúncia foi recebida pelo juiz Sérgio Moro e Cerveró virou réu. Ele responderá a acusação de ter recebido propina em uma operação de fornecimento de sondas de perfuração à Petrobras intermediada pelo lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, e Julio Camargo, ex-consultor da Toyo Setal, delator do esquema de corrupção.