O auditor fiscal Luiz Antônio de Souza, principal delator da Operação Publicano até aqui, é o maior prejudicado com a rescisão de seu acordo de colaboração premiada, determinada na quarta-feira pelo juiz da 3ª Vara Criminal de Londrina, a pedido do Ministério Público (MP). A começar pela perda do direito à progressão de pena: ele sairia do regime fechado, na Penitenciária Estadual de Londrina I, no dia 30 de junho, para a prisão domiciliar. Agora, só conseguirá sair se obtiver um habeas corpus.
Para advogados que defendem outros auditores que são réus na Operação Publicano – são mais de 70 –, a rescisão representou um alento: vários já sinalizaram que pretendem que o agora ex-colaborador seja interrogado novamente no âmbito da ação penal da primeira fase da Operação Publicano, dessa vez sem os benefícios da delação premiada. Outro movimento sinalizado pelos outros réus é o de tentar anular as ações penais das fases dois, três e quatro da Publicano, alegando que elas seriam embasadas apenas nas declarações de Souza.
Quais as implicações para o Gaeco?
E os outros auditores envolvidos no esquema?
Quais as consequências para o governador Beto Richa?
E para a Procuradoria-Geral do Estado?
E, afinal, como fica a validade das provas?
O MP avalia que nada muda na Publicano após a rescisão do acordo. Desde segunda-feira (6), quando foi divulgado o pedido de rescisão do acordo, junto com a denúncia da quinta fase das investigações, promotores repetem que as apurações não se baseiam exclusivamente nas declarações de Souza. Existem outras provas obtidas com o cumprimento de mandados de busca e apreensão e escutas telefônicas, além dos depoimentos de outros delatores.
O MP pediu a rescisão por entender que Souza quebrou o acordo, ao extorquir o empresário Aparecido Domingos dos Santos, de Quatiguá, conhecido como “Dinho do Porco”, para não citá-lo nos depoimentos. Santos também foi denunciado na quinta fase da Publicano. Segundo o MP, mesmo de dentro da PEL I, o auditor teria conseguido cobrar R$ 1 milhão do empresário, que é considerado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) um dos cabeças de uma organização criminosa que aglutinou empresas do setor de abate e comercialização de suínos para sonegar impostos.
No decorrer da semana a Gazeta do Povo ouviu todas as partes envolvidas para projetar as consequências da quebra do acordo para o futuro das investigações.
O delator
Além de perder os benefícios da delação premiada, como a possibilidade de progressão de regime – do fechado para a prisão domiciliar –, Luiz Antônio de Souza terá outras preocupações. Primeiro porque a confissão de diversos crimes facilita a sua condenação. E segundo porque a quebra do acordo permite que o Ministério Público (MP) busque o resto de seu patrimônio para ressarcir os cofres públicos. A defesa de Souza faz um discurso em duas “frentes”. Uma delas sinaliza que o delator no mínimo ficará calado em novos interrogatórios em outras ações penais. E que a saída dele da condição de colaborador prejudicaria todas as outras fases da Publicano, pois as declarações prestadas até aqui colaboraram para um grande avanço na investigação, que eram ensaiadas há mais de 10 anos.
Em outra “frente”, a defesa deixa as portas abertas para uma “repactuação” do acordo: ou seja, Souza voltaria a colaborar, mas com renegociação dos termos. O exemplo a ser seguido, nesse caso, seria o do doleiro Alberto Youssef: ele foi réu colaborador na década passada nas investigações do caso Banestado. Quebrou as condições, mas conseguiu um novo acordo de delação premiada, dessa vez na Lava Jato.
O Gaeco
Para os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Patrimônio Público, nada muda com a rescisão do acordo, em nenhuma das fases da Publicano. O promotor Jorge Costa, coordenador do Gaeco em Londrina, disse que “a acusação não está centrada apenas nas declarações de Souza” e que “há todo um contexto de provas testemunhais e documentais” a sustentar as ações. Ele disse considerar “sem cabimento” a estratégia sinalizada por defensores de outros réus, de tentar interrogar novamente Souza, na ação penal da primeira fase da Publicano, dessa vez sem o manto da delação premiada. “A instrução do processo foi concluída e ele foi interrogado sob o crivo do contraditório, com a participação do MP e dos advogados dos outros réus”.
Os auditores envolvidos
Para os outros auditores, o momento é de expectativa. Durante as audiências da ação penal da primeira fase da Operação Publicano, os defensores tentaram desmontar as declarações de Souza, sem muito sucesso. Os advogados que defendem os outros réus veem na perda da credibilidade do delator, provocada pelo rompimento do acordo, uma possibilidade de desqualificar as acusações. O advogado Walter Bittar, que defende entre outros réus o ex-delegado da Receita Estadual em Londrina, José Luiz Favoreto, diz que Souza “mentiu com relação a algumas situações” e que réus que teriam sido denunciados com base nas declarações do delator podem ser retirados das ações por “falta de justa causa”. O advogado Arthur Travaglia, que defende 15 dos 72 auditores denunciados nas cinco fases da Publicano, também bate na tecla da perda de credibilidade do delator. Nenhum advogado adianta a estratégia a ser usada daqui para a frente, mas pedir um novo interrogatório de Souza na ação penal da primeira fase da Publicano é praticamente uma unanimidade. Segundo Travaglia, ele seria “reinterrogado apenas na condição de réu e não como delator”. Os defensores acreditam que isso pode ser favorável aos seus clientes.
O governador Beto Richa
O governador Beto Richa (PSDB) é um dos maiores beneficiários da perda de credibilidade do delator. A fala de Souza é um dos motivos que levaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a autorizar a abertura de inquérito contra Richa. Souza disse que dinheiro de propina alimentou o caixa da campanha à reeleição do governador, o que o político e o seu partido negam.
A PGE
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) tem motivos para comemorar a quebra do acordo de delação premiada. Em março o órgão entrou com uma ação pedindo a anulação do acordo, alegando que o estado estaria sendo lesado com a devolução de apenas parte do patrimônio por Souza. A ação coincidiu com o período em que o STJ decidiu pela abertura de inquérito contra o governador Beto Richa, o que gerou críticas à PGE. O procurador-geral do Estado, Paulo Sérgio Rosso, disse que mesmo que o motivo que gerou a rescisão ser diferente do alegado pela PGE, o rompimento é “salutar para os interesses do Paraná”. Ele admitiu a possibilidade de retirar a ação na qual a PGE pede a nulidade do acordo.
E como ficam as provas?
As declarações de Souza sob o acordo de delação premiada e as provas levantadas a partir dessas declarações, não perdem efeito. Para a advogada Andressa Andrade, especialista em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e estudiosa da delação premiada, os processos não são afetados pelo rompimento. “Não me parece ser o caso, o processo não é construído com prova única, existem outras provas”. Para ela, o rompimento “não altera nada” e “não implode o processo”. “As declarações não são anuladas, mas não podem incrimina-lo [o réu]”. Com relação às provas, Souza passa a ter uma nova preocupação: a possibilidade de auditores citados por ele na delação premiada entrarem com ações pedindo indenização por danos morais contra ele. Nesse sentido, confirmar o que foi dito sob o acordo da delação premiada seria fundamental para escapar de condenações.
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