A saída do ministro da Cultura Marcelo Calero abriu nova crise no governo de Michel Temer. Um dos auxiliares mais próximos do presidente, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, se tornou o pivô de questionamentos éticos que colocam o Palácio do Planalto “nas cordas”, segundo interlocutores de Temer.
Calero pediu demissão do cargo na sexta-feira (18). Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele acusou Geddel de pressionar pela liberação da construção de um edifício residencial no centro histórico de Salvador, contrariando decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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Neste sábado (19) o ministro admitiu que, de fato, é dono de uma unidade no 23º andar – avaliada em ao menos R$ 3,3 milhões segundo apurou a reportagem com corretores responsáveis pelo empreendimento. O ministro negou ter usado sua influência para tentar viabilizar a construção.
Essa foi a linha da conversa telefônica que Geddel teve na manhã deste sábado (19) com o presidente, que estava em São Paulo. A tendência é que Temer não adote nenhuma outra medida durante o fim de semana.
Embora nos bastidores do Planalto fala-se em “guerra de versões”, a avaliação é que a denúncia de Calero é “grave”. Ele reiterou as acusações ontem, em evento no Rio, e disse tratar-se “claramente de um caso de corrupção”.
As afirmações do ex-ministro causaram desconforto por colocar um ministro importante no centro de uma discussão ética. Foi um fecho ruim para uma semana em que o governo lutou para evitar respingos da prisão do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, um dos principais integrantes do partido do presidente, o PMDB.
Comissão de Ética - Dada a gravidade dos fatos, a Comissão de Ética Pública do Palácio do Planalto vai entrar no caso. “Li com atenção o que foi publicado e, como presidente da Comissão, decidi que vou submeter o assunto ao colegiado, na segunda-feira, que vai decidir se abrirá procedimento de investigação (contra o ministro) ou não e quais providências a serem tomadas”, declarou o presidente da comissão, Mauro Menezes. “Não vou fazer qualificativo nem dar declaração porque estaria me antecipando.”
A oposição quer fazer uma acareação. “Vamos chamar os dois na Câmara. Calero, para deixar mais explícito os motivos que levaram a seu pedido de demissão. E Geddel, para que explique a acusação. Eles vão ter de dar explicações ao Poder Legislativo”, afirmou a líder da minoria na Casa, deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ). Segundo ela, a convocação deve ser pedida nas comissões de Cultura ou de Fiscalização, ambas presididas por deputados do PT. A oposição pretende pedir o afastamento de Geddel.
Técnico
Escolhido para suceder Calero na Cultura, o deputado federal Roberto Freire (PPS-SP) afirmou que vai respeitar a decisão técnica do Iphan. “Vou tomar conhecimento do fato ainda. Mas antes de tomar conhecimento, o princípio que me norteia é o técnico. Se existe um órgão técnico, é para ser respeitado na suas decisões.”
O ex-ministro da Cultura foi o quinto a deixar o governo desde que Temer assumiu o Planalto, em maio. Antes dele saíram Romero Jucá, do Planejamento; Fabiano Silveira, da Transparência; Henrique Alves, do Turismo e Fábio Osório, da Advocacia-Geral da União. Todos por fatos relacionados à Operação Lava Jato.
Calero, que é diplomata de carreira, já informou ao Ministério das Relações Exteriores que vai reapresentar-se.
“Vou deixar o cargo por isso? Pelo amor de Deus!”, diz Geddel
Acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de ter feito pressão para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovasse um empreendimento em Salvador, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, admitiu, em entrevista ao Estado, ter tratado sobre o tema, mas disse que o agora ex-colega de Esplanada contou “verdades e inverdades”. “Qual a ilegalidade que há nisso? Qual a imoralidade que há em tratar desse tema com um colega meu?”, questionou Geddel.
O senhor foi acusado pelo ex-ministro Calero de pressioná-lo em relação ao Iphan.
Lamento profundamente essa declaração do Calero, com quem eu sempre tive uma relação afável e tranquila. Não tive nenhum desentendimento com Calero, nenhum bate-boca com ele. Ele diz uma verdade e muitas inverdades.
Quais seriam as inverdades?
As inverdades é que eu teria dito, por exemplo, que iria pedir a cabeça da presidente do Iphan, que eu poderia tratar com o presidente da República. Eu nunca tratei desse tema com o presidente da República. Nada, absolutamente nada. Aí há um certo exagero.
E qual seria a verdade?
A verdade é que eu tratei do tema com ele sob a óptica de que: Calero, tem que tomar cuidado com isso. Esse assunto está em discussão na Bahia há muito tempo. Está judicializado. Já tá na Justiça há muito tempo e isso termina gerando insegurança política para quem comprou unidade, isso termina gerando desemprego na cidade, mas sem nenhuma pressão indevida. Tanto não há pressão que a posição ao final e ao cabo que prevaleceu foi a dele. Não estou entendendo e me surpreendo que venha isso agora. A posição que prevaleceu, apesar de eu ter uma visão diferente desse processo, mesmo ele judicializado, foi a dele. Os incorporadores vão buscar agora reparos tanto administrativos tanto na Justiça. A posição dele prevaleceu.
Houve ou não houve pressão?
Que pressão é essa? Tratei com o Calero com tranquilidade, por telefone, até porque não tenho medo de tratar por telefone, de estar grampeado. O que eu trato por telefone eu trato publicamente. Qual a ilegalidade que há nisso? Qual a imoralidade que há em tratar desse tema com um colega meu? Nunca tratei desse tema com o Iphan, nunca fiz pressão no Iphan. Tratei com ele, nunca tive briga com ele.
Mas o senhor tem esse apartamento?
Tenho uma promessa de compra e venda de um apartamento no empreendimento de 2015, no 23º andar. Adquiri um apartamento depois de morar 22 anos no meu antigo apartamento. Eu pretendia mudar com minha família. Mas isso não me tira a legitimidade. Aliás, me dá legitimidade para mostrar que o que estava se fazendo era um equívoco.
E o Iphan só autorizou a construção até o 13º andar?
Isso foi agora! O Iphan da Bahia, a prefeitura, todos deram a licença. A obra foi lançada, várias pessoas compraram.
O ex-ministro Calero afirma que o Iphan da Bahia teria liberado a licença do projeto porque o superintendente regional teria sido indicado pelo senhor.
Não é verdade. A pessoa que está lá não foi indicada por mim. Essa licença foi dada pelo Iphan, me parece, em 2014, quando eu estava na oposição ao governo federal, ao governo baiano, em todos os lugares.
Por que o senhor acha então que ele deixou o cargo, se não havia pressão?
Não tenho a menor ideia. Agora pare e pense uma coisa: a minha pressão, segundo ele, não deu resultado. A posição dele foi a que prevaleceu.
O senhor conversou com o presidente Michel Temer. O que ele falou disso?
Falei de manhã com Temer. Eu liguei para o presidente e ele disse: Apresente sua resposta com tranquilidade. Não tem nada de problemático disso não, só o desgaste. Recebi dele o maior apoio. Sereno, tranquilo, ele compreende perfeitamente.
Temer pediu o cargo?
Não. Deixar cargo por isso? Pelo amor de Deus!
O senhor não se sente desconfortável de continuar no governo?
Por que desconfortável? Por causa de uma fala de um ex-ministro que não está falando a verdade inteira? Eu tratei do tema com absoluta transparência. O que me deixaria desconfortável? Onde é que tem maracutaia, problema, irregularidade nisso? Lamento que o ministro saia nessas circunstâncias.
O presidente da Comissão de Ética da Presidência, Mauro Menezes, disse que vai analisar o caso amanhã. Algum receio? Algum constrangimento?
Nenhum, nada.
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