Um dos principais articuladores da Lei da Ficha Limpa e líder da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, o juiz eleitoral Márlon Reis viu aspectos positivos nas votações da reforma política na Câmara dos Deputados. Segundo ele, ao não conseguirem aprovar significativas mudanças constitucionais, os parlamentares abriram espaço para a discussão do projeto de iniciativa popular defendido pelas 114 entidades que compõem a coalizão. Dentre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
“A minha leitura é tão positiva porque acho que, agora, o único projeto de reforma política que sobrou foi o nosso. Nós estamos agora com a única alternativa de reforma em mãos”, diz Reis. A proposta do grupo é dividida em quatro pontos: proibição do financiamento de campanha por empresas e incentivo às doações de pessoas físicas, eleições proporcionais em dois turnos, paridade de gênero nas disputas para deputado e vereador e fortalecimento dos mecanismos de democracia direta. O texto ainda está em fase de coleta de assinaturas, antes de ser remetido ao Congresso.
Qual é o resumo das votações sobre a reforma política na Câmara?
A demonstração de que a Câmara continua não disposta a fazer mudanças positivas na legislação eleitoral. Por outro lado, há questões que considero positivas. Em primeiro lugar, se impediu um grave retrocesso, uma grande violência contra a democracia brasileira, que seria a aprovação do “distritão” [sistema de eleição para deputado e vereador pelo qual os mais votados nos estados seriam eleitos, independentemente dos partidos]. Também assistimos a uma luta desesperada para manter as doações eleitorais de empresas. Em uma noite, os deputados rechaçaram a constitucionalização das doações para partidos e candidatos e no dia seguinte aprovaram só para partidos. Foi uma manobra mal feita, que abriu margem para a decisão ser questionada por 63 deputados no Supremo Tribunal Federal.
A reforma até agora é uma vitória ou uma derrota do presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
Ele teve algumas derrotas importantes, como a rejeição do “distritão” e da ideia do financiamento de empresas a candidatos. Esses subterfúgios para mudar a primeira votação sobre a doação de empresas causaram um estrago enorme a ele perante a opinião pública.
No fundo, o que Cunha e os deputados realmente queriam era constitucionalizar as doações de pessoas jurídicas e o resto era cortina de fumaça?
O “distritão” era um projeto importante, mas não tão importante quanto manter as bases atuais de financiamento, que foi o que assegurou a eleição da maioria dos parlamentares que estão aí, incluindo Eduardo Cunha. Não foi à toa que houve tanto desespero para reverter a primeira decisão.
Há chance de, em algum momento, deputados e senadores aprovarem algo que possa comprometer suas reeleições?
Com a composição que a Câmara tem hoje, o negócio é torcer para que não aconteçam mudanças significativas na Constituição. Nossa expectativa é que as balizas constitucionais sejam mantidas. O plano agora é brigar via legislação infraconstitucional, por meio do nosso projeto de iniciativa popular de reforma política democrática e eleições limpas. Vale destacar que momentos de crise, como a que vivemos hoje, não são os mais adequados para promovermos alterações na Constituição.
Então há o que comemorar?
Nós estamos comemorando a não alteração do sistema eleitoral. É preciso comemorar porque o sistema mudaria para pior. Se o mandado de segurança para derrubar a votação da constitucionalização das doações de empresas tiver efeito no STF, melhor ainda. A meu ver, a sociedade ganha um tempo para fazer uma reforma como ela deseja. O que está em discussão na Câmara não leva em consideração esses desejos. Alguns pontos, como o fim da reeleição, são meramente secundários.
O fim da reeleição é algo positivo?
Na verdade, há muitos segmentos que consideram positivo. Mas, isoladamente, não pode ser considerado uma reforma política. E, confesso, não acredito que tenha sido uma intenção espontânea de melhorar o sistema. O aumento da transparência dos partidos, do caráter programático das disputas eleitorais em detrimento do individualismo, da adoção de um financiamento cidadão é que fariam diferença.
Há espaço para, superada a votação atual, emplacar o projeto de iniciativa popular?
A minha leitura é tão positiva porque acho que, agora, o único projeto de reforma política que sobrou foi o nosso. Nós estamos agora com a única alternativa de reforma em mãos. Temos um bom diálogo com o Congresso. É hora de fazer a nossa parte.
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