A estudante do sétimo período de Comunicação Social da UFMG, Marina Utsch, de 23 anos, entrou, na quinta-feira da semana passada, no ônibus da Labtur Turismo, fretado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com um objetivo claro: fazer a cobertura do Fórum Social Mundial para a Rádio UFMG Educativa, onde é estagiária de jornalismo.
Contudo, o destino mudou completamente o trabalho que ela teria pela frente. Ao invés de falar sobre neoliberalismo, globalização e políticas sociais para o mundo, Marina se viu obrigada a relatar o acidente com o ônibus que levava ela e mais 37 alunos da UFMG, dois motoristas e três estudantes de outras universidades, rumo ao encontro e que matou quatro jovens, quando o veículo tombou, à beira de um precipício, próximo a Arequipa, no Peru, na madrugada da última terça-feira.
Nesta quinta, ainda emocionada, três horas depois de desembarcar do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que trouxe os estudantes de volta a Belo Horizonte (clique e saiba mais) , Marina Utsch conversou, com exclusividade, com a Globominas.com.
Como foi ir para cobrir o Fórum Social Mundial e, de repente, ter que enviar notícias para o Brasil sobre um acidente no qual você estava?
Marina Utsch: Foi uma coisa inusitada, eu não pensava direito sobre isso. O que eu pensei o tempo todo foi em ajudar, em dar informações para os pais de quem estava lá, dizer quem, como eu, estava bem. Eu saí ilesa, intacta. E, ao ver tantos colegas acidentados, tão mal, eu me senti na obrigação de ajudar a todo mundo, sobretudo aos que estavam mais frágeis.
Vocês estavam na estrada desde a quinta-feira da semana passada. Como foi a viagem até o momento do acidente?
Na hora do acidente, nós já estávamos muito unidos. A união que aconteceu depois do desastre foi resultado do processo de amizade que foi se estabelecendo durante a viagem. No começo, muitos de nós não nos conhecíamos. Mas como a viagem foi longa, acabamos nos conhecendo. E, o fato de termos passados algumas dificuldades na estrada nos uniu ainda mais.
Quais tipos de dificuldade?
Nós tivemos muitos problemas em uma rodovia federal da Bolívia. Na madrugada, de sexta-feira para sábado, tivemos que dormir em um hotel de San Matias, porque a polícia boliviana nos proibiu de viajar na estrada à noite, alegando que ela era muito perigosa. O ônibus chegou a atolar na estrada, que era de terra, e todos tivemos que ajudar.
E como estava o clima no ônibus?
No início, estava todo mundo muito animado, bem falante. Era um clima de animação, as pessoas se conhecendo... Mais para frente, fomos descobrir o como tínhamos afinidades. Mas como a viagem demorou muito, as pessoas foram ficando mais quietas, menos falantes.
Vocês já estavam cansados...
É. O ônibus estava desanimado, por causa da viagem muito longa. Os meninos até que tentavam animar. Eles colocaram música, de axé, de festa junina... Chegamos a fazer um túnel de quadrilha, no corredor do ônibus. A gente dizia: 'Olha Caracas! É mentira!!!' Parecia que nós estávamos adivinhando que não iríamos chegar lá nunca. Aí a gente animava outra vez. Muita gente ria e cantava. Mas muitos de nós estavam passando mal. Na hora do acidente, nós descíamos a Cordilheira dos Andes e a pressão do ar era muito grande, por causa da altitude. Muita gente estava enjoada, com estômago ruim, dor de cabeça, tentando dormir... Eu estava muito desanimada. E as meninas estavam passando mal. Um pouco antes de Arequipa, o ônibus furou o pneu e tivemos de esperar a troca.
E vocês continuaram, então, a viagem...
É, o Adelson (Adelson Fagundes, um dos motoristas) assumiu a direção depois da troca dos pneus. O Cláudio (Cláudio Roberto, o outro motorista), que até então estava na direção, ficou ao lado dele. Como já tínhamos jantado e a noite chegava, tentamos então dormir. Alguns de nós, como eu, deitaram no chão, no corredor do ônibus. Essa foi a nossa sorte. Quem estava nesse lugar não se machucou.
Como foi o momento do acidente?
Quando o ônibus tombou, nós, que estávamos no corredor, ficamos protegidos, porque muitos que estavam nos bancos, saíram pelas janelas e rolaram precipício abaixo. O ônibus tomou para o lado esquerdo, do motorista. Quem estava sentado do lado direito foi que saiu pelas janelas e caiu no precipício. Já quem estava do lado esquerdo teve mais fraturas.
Então o ônibus poderia ter caído no precipício?
Sim. É um abismo em frente... Foi a mureta de proteção da estrada que protegeu o ônibus de despencar. Os meninos que morreram, ficaram presos nas ferragens, com o rosto no pó do chão. Eu pensei que eles ainda estavam vivos, que podiam esperar o socorro, mas um colega me disse que eles estavam mortos.
Na hora do acidente, você estava dormindo?
Não. Eu acordei um pouco antes do acidente. Então, eu me lembro que percebi quando o ônibus estava virando. Eu acho que essa foi a minha sorte. Quem estava acordado, percebeu quando o ônibus tombou e conseguiu se segurar.
O socorro veio rápido?
Na hora estava tudo escuro e, logo depois, começaram a parar carros. Nós não conseguíamos sair de dentro do ônibus. Queríamos usar a saída de emergência, mas não conseguimos acionar a alavanca. Até que um dos meninos achou um buraco por baixo da janela. A primeira providência era tentar resgatar quem estava precipício abaixo. Nós queríamos tirá-los logo de lá, pois tínhamos medo que o o ônibus rolasse por cima deles. Muita gente ficou em choque. Mas logo chegou o socorro e levou todo mundo para o hospital.
Os alunos se uniram nessa hora?
Todo mundo começou a entrar nessa corrente de ajudar. Teve muita gente que ficou em choque. A gente começou a ficar bem junto. A primeira preocupação minha era ligar para o meu pai, porque a imprensa chegou cedo. O vice-consul chegou lá e a imprensa pediu que ele fosse.
Você resolveu, então enviar, as primeiras notícias para Belo Horizonte?
O vice-cônsul chegou também rápido, já que ele foi avisado pela imprensa. Eu, então, comecei a articular com ele. Aos poucos, eu fui tomando essa tarefa de coordenar quem estava no hospital, quem estava no hotel, e fui fazendo uma lista. Como eu estudo Jornalismo e era correspondente da Rádio UFMG Educativa, eu quis passar notícias para tranqüilizar os pais. Eu sabia que era notícia. Sabia que era uma grande coisa que precisava ser noticiada e eu estava lá. Eu noticiei, eu não tinha outra opção.
Como fica a relação entre os estudantes que estavam naquele ônibus?
Voltamos abraçados no avião da FAB. Os comandantes foram muito receptivos conosco. O que nos deixava tristes e angustiados eram os caixões dos nossos quatro colegas que morreram, que viajaram conosco. Acho que todos nós construímos uma nova relação uns com os outros, diferente e especial, que eu gostaria de manter.
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