A proposta do senador Roberto Requião (PMDB-PR) para o Projeto de Lei (PL) 280/2016, a chamada Lei do Abuso de Autoridade, altera alguns pontos que haviam sido criticados pelos juízes federais Sergio Moro e Silvio Rocha, mas mantém o cerco fechado nas atividades da magistratura e dos promotores. De 32 artigos tipificando crimes, 20 se referem diretamente a processos investigatórios ou judiciais. O texto está previsto para ser votado em plenário nesta terça-feira (6).
Um dos pontos modificados por Requião, após Moro e Rocha terem participado de audiência pública no Senado, na quinta-feira passada (1º), foi a definição de crime de abuso de autoridade, com exclusão de atos baseados em jurisprudência divergente. Para Requião, o texto proposto “evita a criminalização de mera divergência de interpretação jurídica”.
Requião tenta desvincular Lei de Abuso de Autoridade de versão desfigurada das “Dez Medidas”
Leia a matéria completaO juiz Sergio Moro, porém, discorda. Ele ressaltou que o texto apresenta avanços ao que estava sendo debatido no Senado, mas disse que o resultado não corresponde às sugestões feitas. “O mais próximo disso é a norma proposta para o parágrafo único do artigo 1º, mas a redação é confusa e não atende à sugestão apresentada. Aparentemente, o magistrado será obrigado à interpretação literal da lei, o que do ponto de vista da interpretação do Direito, que comporta vários métodos de interpretação, não é minimamente correto”, afirmou Moro em nota.
Outro ponto acatado por Requião é o que criminaliza a condução coercitiva de testemunha ou investigado de forma “manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo. O senador foi um dos críticos à condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ocorreu no início de março. “Condução coercitiva desnecessária, absurdo BBB da Globo, MP e Justiça Federal. Molecagem festejada por alienados e prejudicial ao direito”, escreveu no seu perfil no Twitter.
As demais alterações sugeridas por Requião não modificam o conteúdo central do projeto, mas visam a dar “mais segurança jurídica ao aplicador da norma, seja especificando melhor os tipos penais, seja prevendo salvaguardas para evitar que circunstâncias excepcionais acarretassem injustiças aos envolvidos”. Segundo o senador, foram incorporadas “praticamente” todas as contribuições feitas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que também participou de audiência pública no Senado.
Requião manteve a previsão de abuso de autoridade quando se obtém provas ilícitas, desde que sejam “manifestamente ilícitos”, uma salvaguarda que não existia no texto anterior. Crítico de muitos meios de comunicação, o senador também incluiu um artigo que prevê abuso de autoridade quando se permite a filmagem ou fotografia de “preso, internado, investigado, indiciado ou vítima em processo penal, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal”.
Vistas
Uma das propostas de Requião é tipificar como abuso de autoridade justamente um ato bem comum no STF: o pedido de vista de processo. Pelo substitutivo, é crime o pedido de vista em apreciação por órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento. O próprio Gilmar Mendes já incorreu no feito: pediu vista de uma ação contra o financiamento empresarial de campanha quando a maioria do Supremo já havia decidido que a doação era inconstitucional.
O texto de Requião para a Lei de Abuso de Autoridade
Veja alguns dos crimes que foram incluídos ou especificados no texto proposto pelo senador Roberto Requião como substitutivo ao Projeto de Lei nº 280/2016:
-Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo.
-Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar filme ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima em processo penal, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal.
-Requerer vista de processo em apreciação por órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento.
-Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte.
Detalhados
-Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-lo em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei.
-Proceder à obtenção de provas por meios manifestamente ilícitos ou fazer uso de provas de cuja origem ilícita se tenha conhecimento, no curso de procedimento investigativo ou de fiscalização.
-Estender a investigação sem justificativa, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado.
-Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo honra ou a imagem do investigado ou acusado.
Colaborou Catarina Scortecci, correspondente em Brasília
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